DOUTRINA

Educar pela confiança

Tem acontecido mandar rapazes dos nossos receber esmolas ou subsídios que generosa e gostosamente nos querem oferecer, alguns de somas consideráveis.

Mandamos o rapaz à nossa escolha e volta com a notícia do grande espanto que se fez: «Então és tu que vens?!» Outras vezes não trazem nada: «Vai que eu mando depois». É muito de agradecer a cautela com que se guardam os interesses da Casa do Gaiato. Por aqui mesmo se nota que todos lhe querem chamar e fazer sua. Vigiam a segurança das suas próprias ofertas: «Vai-te embora que eu mando depois». É muito de agradecer. Porém, nós estamos a fazer uma Obra de assistência pela educação. Dar de comer não basta. Educar escorraçados é chamar por eles. É tomá-los e aceitá-los por nossos. Dar-lhes a nossa alma para conquistar a deles.

Um acto de desconfiança é lembrar ao rapaz o que ele foi; atribuir-lhe culpas que jamais teve; destruir a esperança, o brio, a vontade de ser um homem - coisas estas que ele não merece. Antes de o julgar por «rapaz da rua», convém indagar porque é que o foi. Se o processo for bem instruído, outros terão de responder que não ele.

Peço a todos os amigos da Obra da Rua que entreguem aos nossos rapazes tudo quanto a nós se destina; e, destarte, juntam o concurso espiritual ao auxílio material.

Que eles sejam os alegres mensageiros da tua confiança, mais do que simples portadores da oferta.

A possível infidelidade de um, não tem força para destruir o nosso propósito: Educar pela confiança.

A alegria do «Rio Tinto» quando, há tempos, o mandei a uma cidade receber dez contos! Trazia as notas muito embrulhadas, muito recatadas: «Aqui está!»

Vi, em Lisboa, a carta para a sua mãe, de um dos nossos que foi das ruas e hoje é empregado no Porto. Contava-lhe de como vai receber contas: «Trago sempre o dinheiro muito apertadinho na mão, pro não perder. O cuidado, o zelo, o interesse, a responsabilidade - o homem.

Tudo valores perdidos por um acto de desconfiança! «O quê? És tu que vens buscar? !» É, sim senhor. Vai buscar com nossa licença para não roubar sem ela. Gosto de tomar riscos e responder por eles. Até à data, encontrei três infiéis. Dá a média exacta de um por cento. Vale a pena continuar. A Obra da Rua que nascera com luz mortiça, é hoje farol.

Trata-se de uma Obra humana à feição das almas; uma aplicação do Evangelho sem cerimónias.

Eu sou testemunha de vista e de ouvido, todos os dias, do desabrochar destes rapazes para a vida. Eles, por sua vez, dão testemunho ao mundo de como desabrocham.

PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, 1986, pgs 123-124.