DOUTRINA

Espectáculo enternecedor

Era já noite quando nos apareceu aqui uma mulher mal trajada, a pedir para ver o filho. É muito raro aparecer família da nossa gente, uns porque a não têm, outros porque sim, mas não se importam e ainda bem.

Pois apareceu a mulher fora de horas e eu mandei dizer que não. Insistindo, fui eu mesmo ter com ela e pintei a macaca: - Que não. Que não eram horas de fazer visitas. Eu tinha chegado do Porto, naquela maré, e trazia mostarda no nariz por coisas que lá me aconteceram. Chego a casa e... mais mostarda! A gente quer reagir. Quer dominar-se, mas não pode. Os anos. A fraqueza. O desgaste natural. Trabalhos de que só a morte nos pode libertar!

A mulher continua sem dar razão às minhas razões:

- O meu filhinho! Saí, hoje, da cadeia. Pedi dinheiro emprestado a uma mulher. Vim no primeiro comboio.

Alto!, disse eu com os meus botões, temos alguém embrulhado em farrapos.

Uma vez libertada da prisão procura o seu filho. Pede emprestado à mulher da viela. Toma o primeiro comboio. É noite? Chove? Que importa! Não sabe o caminho? Pergunta! «O meu filhinho!»

Mandei buscar o Albino, pelo enfermeiro.

Ele fora depilado e encontra-se, ainda, apartado. Tem oito anos muito definhados. Andava pelos caminhos, sozinho.

«Saí, hoje, da cadeia.» A mãe toma-o nos braços. Notei e regalei-me de ver o jeito com que ela pega no filho e o jeito com que este se enrosca no seu colo. Parece que ainda se lembrava dos tempos em que andou no ventre!

Muitos dos nossos que estavam em cima a escutar o relato, descem. Há uma grande dúzia à roda do espectáculo enternecedor.

O enfermeiro espera. A mãe dá no filho o derradeiro beijo.

«Fique com o meu nome. Com a minha direcção. Ele pode adoecer e morrer...!»

Voltou o pequenino à enfermaria. Fica ali a mãe de pé, a contemplar com seus olhos os rapazes em volta dela. Trazia na mão uma saquita feita de trapos; abre e diz: «Vou dar estas castanhas ós meninos».

Não tinha comido nada naquele dia; primeiro o filho. E agora que o topa, o pouco que tem para comer, quer dar, de contente! Era alguém que ali estava, embrulhado em farrapos!

Se alguém for capaz de chegar ao fim desta leitura com os olhos por humedecer, não leu. Não compreendeu.

Oh! jornal terrível! Quem puder fugir de ti que fuja!

PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, 1986, pgs 125-126.