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Amontoar é contra o Evangelho

O meu lugar-tenente do Lar do Porto mostrou-me, há dias, o livro de contas de fim de ano aonde vinha a notícia de um depósito de nove contos e quê na Caixa Geral de Depósitos, que vem a ser a parte de dinheiro que se retira dos ordenados dos nossos rapazes - para eles. É dinheiro deles.

Eu disse que não. Que não concordava. Mandei tirar da Caixa e pôr a girar. A escrituração rigorosa dá contas a todo o tempo e cada um pode retirar o que é seu, havendo necessidade disso. Este é o meu critério e vale enquanto eu riscar. Não se teme uma corrida à Casa. Nem os credores são tantos, nem os créditos tamanhos. Dinheiro a girar. A cumprir a sua missão social.

Quando oiço falar nos congelados, tremo de medo! As caixas fortes são um engano. «Não! Vá lá buscar o dinheiro. Se nos sobra, dê aos Pobres.» E o meu lugar-tenente assim fez.

Quando chegar a hora de entregar a qualquer um dos rapazes o que lhe pertence, vai-se buscar aos fundos da Obra. Se a Caixa Geral de Depósitos é forte, muito mais a nossa. Esta finança é alta de mais prós senhores da alta finança. É, sim, mas nunca ninguém se enganou. Amortecer dinheiro é mortificar os que precisam. Não é marca da nossa Obra. Ela é vida. Nós queremos espalhar. Não confundir com esbanjar.

Aqui há tempos recebi uma carta muito extensa e muito bonita. Era de alguém que está nos segredos das cifras de um destes organismos de agora. Era a lastimar-se da triste condição da criança das ruas e também de me não ser dada a facilidade de levantar, aqui, na Aldeia, um pavilhão pago e sustentado por aquele mesmo organismo - e aqui é que estava a lástima. A lástima do senhor que me escreveu a carta. O senhor que estava no segredo das cifras. Tais eram e são para ele me escrever quase a chorar!

Isto vinha numa carta. Mas nos periódicos, de há tempos, vinha mais e melhor. Traziam algarismos •da altura da torre de Babel. São das Caixas de Previdência. Um senhor no parlamento levantou a voz e disse que com esses dinheiros podiam-se levantar pelo País fora muitas casas para os Pobres. Não sei o que resolveram. Talvez dar mais uma volta às chaves e acabou.

Depois do medo que eu confesso aos dinheiros congelados, como poderia airosamente congelar os nove contos - como?! Previdência, sim. Caixa de Previdência, sim. Não há outra como a nossa. Tem sempre o preciso para o que seja preciso, quando for preciso.

Eu cá voto pelo pão nosso de cada dia. Eu gosto de ver valores, trabalho, contentamento, suficiência, conforto, vida.

Amontoar é contra o Evangelho. Se houver falência na civilização cristã, é porque os cristãos têm medo do Evangelho. Nós não damos contas, mas temo-las exactas e podemos mostrar. Milhares. Muitos milhares de contos têm marchado e marcham à nossa frente sem fazer poeira nem ganhar verdete. Fazem pão! É a Pobreza. É preciso pregar ao mundo a pobreza com a Pobreza. Não basta contar a história de Jesus-Infante nas palhas. O Evangelho não tem histórias nem é uma história. O Verbo de Deus é e disse. Disse a Vida. É a Vida.

A Obra da Rua é uma afirmação. Nós não. Nós vamos direitos à Luz. Milhares dos que precisam, têm comparticipado e comparticipam dos nossos milhares. Tiramos os fundos da circulação, não dos depósitos nas Caixas. Nós somos o capital-seiva. Sacerdotes ricos, não. Oh miséria das misérias! Sacerdotes das riquezas - isso sim.

PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, pg. 150-152