DOUTRINA
O Decálogo
Entramos, desde já, no quarto Mandamento visto como é da família que vamos hoje tratar. Famílias que se degradam nas ruas, que essa é justamente a nossa especialidade. Nós somos a Obra da Rua. Nós falamos do que conhecemos. Fale cada um da sua especialidade e terá menos probabilidades de errar.
Ora muito bem. Um caso: Temos, aqui, um rapaz de uns onze anos que foi das ruas de certa cidade e veio a rogo de um outro que cá temos, conhecido e amigo dele, o qual foi por si mesmo buscá-lo. Rapazinho fraco, compleição fidalga. Tem obrigação moderada, liberdade de pedir aos cozinheiros o que lhe apetecer, anda-se com ele ao colo por assim dizer. Nós somos a Mãe. Ele tem mãe e tem irmãos e creio que também pai. Da mãe, sei eu que estava aos bons cuidados de uma família e, de lá, de quando em vez, perguntava pelo filho, razão porque me determinei a ir por aí abaixo dar notícias. Eu sou o recoveiro. Não tenho de apresentar contas de viagem.
Eu era do Patronato das Prisões, naquele tempo, e costumava ir pelas cadeias, todas as cadeias do centro do País, consolar os reclusos. Um dia apresentei contas. Deram-me o dinheiro de má cara e que nunca mais! Mas agora não é assim. Sou um homem livre. Livre de peias burocráticas.
Uma vez na tal cidade, em casa da tal família, soube de um passo que a mãe dera, pelo que já se não encontrava ali. Não vale a pena dizer que passo foi. Todos o sabem!… É que são tantas as mulheres a dar semelhantes passos, mães também, que se não fora o Decálogo havíamos de os tomar por bem dados! Ora o Decálogo está. O Decálogo é. O Sermão da Montanha não interfere com a Lei do Sinai. Limou as arestas, sim, mas não tirou nem pôs nada. Por isso mesmo é que esta mãe perdeu a autoridade de governar este filho. Trocou-o por um homem das ruas. Desonrou-o. Eis o seu pecado. Não se trata de saber aonde começa nem até onde vai a sua culpa. O nosso tribunal não julga. Nós não estamos aqui para julgar ninguém. Mas temos de assentar princípios, fazer doutrina, levantar barreira. Educar. Com autorização nossa, este rapaz jamais terá comunicação com a sua mãe. Nem por cartas nem por sinais nem por nada. É o Decálogo. Não me tenho por mais do que os outros. Também eu peco muitas vezes por pensamentos, palavras e obras e se alguém diz que não peca, esse mente. Não me tenho por melhor, sim, mas não me posso calar. Falariam as pedras da rua, se eu não proclamasse os direitos do Senhor.
Como este caso de hoje, quantos casos! Contra a veracidade deles, só a Verdade. Esta doutrina mansa, pregada a estes rapazes com lágrimas interiores, tem dado e há-de forçosamente dar os seus frutos. Ou não houvesse dor naquilo que se lhes diz! Dor desta gente da rua, a quem falta preparação para resistir, inteligência para compreender, pão para se alimentar, casa para viver — daí a moral deles. Pois tem dado os seus frutos, sim. Os nossos rapazes vão compreendendo a beleza e a dureza do Decálogo. Sobretudo os mais velhos já dão fé. Mantêm silêncio respeitoso quanto às suas mães. Alguns são, até, ásperos.
Há dias, saiu daqui uma carta de um filho para sua mãe que era um verdadeiro sinapismo. Assim ela o saiba aplicar. Cuido que não. Os hábitos são uma segunda natureza. Nem este é o nosso propósito.
O que a gente quer é abrir caminho a estes nossos rapazes. Que eles compreendam. Assim como agora vão sentindo a desgraça de haverem sido desonrados por seus pais, assim se obriguem, desde já, em consciência, a honrar, mais tarde, os seus filhos. É o Decálogo.
PAI AMÉRICO, Notas da Quinzena, pg. 157-159