Sou, por misericórdia de Deus, recoveiro dos Pobres
Acima e além da casa do Património dos Pobres, eu costumo afoitar o trabalhador a que se junte a outro e ambos ou em pequeninos grupos, se aventurem à construção das suas próprias moradias. Aconselho. Afoito. Prometo um pequenino auxílio. Eles acreditam e metem os ombros.
Assim aconteceu ultimamente a um pedreiro que trabalha aqui em Casa. Este e mais seis colegas obtiveram por compra favorável um bloco de terreno que dividiram segundo as posses e condições de cada um. No grupo entra uma heroína com três filhos tenros à sua conta. Os restantes, heróis também, todos têm filhos a sustentar. Sabida a notícia do que estes se propunham, não lhes faltou o simpatizante do pinheiro, do eucalipto, de um carro de areia, meio dia de trabalho e todas aquelas ajudas deliciosas que só o Pobre sabe e é capaz de
emprestar ao Pobre. Temos pois o cabeço de um monte perto da igreja branca da
aldeia, com pinheiros em redor, passarinhos a cantar, o sol a incidir e o povo
a manifestar-se: «Anda lá que eu também ajudo».
Até este
ponto tudo ia bem. Notícias consoladoras. O pedreiro cá de Casa não tinha mais
que me dizer em palavras exuberantes. Porém, ontem, saía da Capela e dou com os
olhos nele, verdadeiramente transtornado. Trazia na mão um papel pequenito, que
desdobra à minha vista. Muito pálido. Suores frios. Desanimado. «Já não fazemos
a nossa casa!» Mandei entrar e que se sentasse. Vistas as coisas por miúdo, os
interessados deram parte oficial na comarca e aí vêm os louvados. Parece que a
lei manda que sejam três, mas naquele caso concreto compareceu apenas um.
Tratando-se
de um único bloco, nada valeu. Tratando-se, como na verdade se tratava, de
gente pobre, nada atenuou. Tendo comparecido, como verdadeiramente compareceu,
apenas um em lugar dos três, nada. Este trouxe os olhos dos seus colegas e fez
a cobrança por inteiro. Quer dizer, ali, num instante, sem ter quase tempo de
sair do automóvel, o avaliador em questão recebe de cada Pobre 232$00 o que
representa a linda soma de 1.624$00! Quem é o louvado? Um homem qualquer. Na
presença de factos legais e porque os trabalhadores iam desistir da sua
importante e formosa empresa, eu disse-lhes que não. Do fundo do Património dos
Pobres pago a iniquidade e arrumou. O terreno da ti Olímpia, pouco passa dos
cem metros. Nenhum dos outros vai além dos quinhentos. Não importa. A lei é
omissa. O louvado aproveita.
Eu tenho um
título que ninguém hoje me rouba. Sou, por misericórdia de Deus, o recoveiro
dos Pobres e isto sem remunerações. Desejo e peço para cada um as facilidades
precisas de construir pelas suas mãos com seus próprios meios a sua própria
casa. Neste sentido e por amor do caso que aponto, atrevi-me a escrever ao
ministro das Finanças, pois que da Repartição de Finanças recebeu cada Pobre a
ordem de pagamento. O Governo está para defender. Defender em primeiro lugar os
Fracos. Sim. Escrevi. O que acaba de se dar nesta comarca, dá-se
necessariamente nas mais. Se a minha dolorosa intervenção vier a merecer um
reparo superior e a lei modificada, além de grandes consolações que já
experimento, vou experimentar mais uma.
PAI AMÉRICO, Notas da
Quinzena, 1.ª ed., 1986, pg 338-340.