DOUTRINA

O Bem bem feito nunca seca

Em um dos últimos dias da semana que findou, trouxe o carteiro à porta do número dezoito da rua da Trindade, uma carta de Lisboa, registada. Abri. Era uma nota de cem escudos e num papel branco, sem data nem nome, vinha assim: «Pela primeira vez na minha vida, que me lembre, sobejou alguma coisa no fim do mês, em vez de me faltar. Vai já para os seus Pobres». Não havia dentro da carta em questão, nada que indicasse o nome ou título do oferente; e se afirmo a procedência como sendo da Capital, é informação colhida no carimbo do correio e nada mais.

Há tantos anos que lido com a Obra da Rua, nas ruas, e ando tão afeito às dádivas dentro de cartas sem nome e às entre­gues em mão na rua e nos comboios e nos eléctricos, também sem nome; ando tão afeito - dizia - que já tinha obrigação de tomar estas coisas à conta de banalidade e passar adiante; mas não. Fico sempre deslumbrado!

Quem daria ao homem mortal, portador e sujeito de misérias de toda a ordem; quem lhe teria dado o poder imenso de compadecer-se e a força divina de esconder a mão compadecida? - cobardia às avessas!

Aquela soma de dinheiro não saiu dos rendimentos nem das sobras de um bom negócio. Foi do próprio, do necessário à família, da paixão de fazer bem. A mão que se escondera por detrás da nota deixou ver um coração ardente, de onde se mede a altura e o valor de toda a esmola.

«Vês lá ao fundo aquela mulher a deitar dinheiro na caixa?... Pois ninguém deu tanto como ela!»

E os discípulos não compreenderam como lançara tanto, quem tão pouco tinha dado. Naquele tempo só o oiro é que reluzia; e ainda hoje é assim para a mediocridade onde se encontram as maiorias. Sim; fico sempre deslumbrado.

Estas esmolas são a espinha dorsal da Obra e o penhor da sua continuação. Cerro os olhos da cara para assim ver melhor o sítio de onde elas vêm; e, ao abri-los, tal como no Tabor, Pedro, Tiago e João, eu não vejo mais ninguém senão somente Jesus - nisi solum Jesum.

Senhor, dai que eu me deslumbre todos os dias no Altar, Tabor vivo e escondido; e que saiba viver unicamente dele, para ele, a fim de que todos me vejam quando eu passo e me respondam quando eu chamo!

Do livro Pão dos Pobres, 3.° vol., pp 204-205.

Pai Américo