ERA O ANO I, N.º13

De como se procedeu ao lançamento da primeira pedra da capela da nossa Aldeia 

Isto foi no dia 8 de Agosto. Toda a Comunidade com seus fatos domingueiros. Todos os operários, com os do trabalho. Uma hora depois, estávamos todos no cimo da aldeia e local onde a capela vai ser erguida. Os Gaiatos subiram a ladeira em deliciosa desordem, cada um de seu tamanho, nenhum do mesmo feitio, fatos e cores desiguais, que esta é a igualdade unívoca em que nos radicamos, cópia fiel da Natureza. Ele até há diferença de estrela para estrela!

Daí a nada, silêncio. O Mestre de obras é chamado para indicar a pedra. O sol é temperado; o dia alegre. A multidão dos pequeninos Párias sabe e sente que vai ser resgatada pela Cruz. É chamado o Sérgio, o Maior da Casa de Paço de Sousa. É chamado o Zé Maria, o ex-larápio de carteiras!, que traz procuração e representa o Maior da Casa de Miranda. É chamado o Herlander, o Maior do Lar do ex-Pupilo dos Reformatórios de Coimbra. São chamados os grandes da Nação, a esperança de um Portugal melhor!

São chamados os magnânimos, desejosos de perdoar ao mundo que os deixa cair, por amor da Cruz que ora levantam!

A pedra estava a uns metros retirada do sítio. Herlander e Sérgio tiram o casaco; Zé Maria já estava sem ele. Os três Rapazes puxam: viram e reviram, até ela cair no chão, para que seja a espinha dorsal da obra deles.

Isto foi tal-qual se passou e do simples relato se nota que as Casas do Gaiato estão remando contra velhas correntes e praxes, em festas desta natureza. O símbolo cede à realidade. Não veio o senhor botar a colherada de cal, nem a menina cortar a fita. Há, sim, o braço forte de rapazes fortes, a trambolhar o calhau para o seu sítio, absolutamente senhores de si, donos do que é seu, na casa deles. Em lugar dos discursos do estilo, houve três dúzias de foguetes lançados pelo Ambrósio e a pequenada a correr atrás das canas. Em substituição do clássico porto de honra, houve uma sopa grossa de abóbora e vagens, um prato de vitela com batatas novas, uma fatia de pão do nosso milho, um pires de arroz doce e uma caneca de vinho, a fazer bigodes. Tudo isto cozinhado pelos nossos, servido pelos nossos, saboreado e discutido pelos nossos; obra deles, por eles, para eles.

No final ouviram-se os vivas, nascidos dentro deles e puxados do coração, sem rótulos nem encomendas; - coisas grandes, filhas do sentimento, notas vivas e alegres, que só eles sabem dar, uma vez que compreendam o seu estado racional de pessoas livres, de que se podem fazer futuros homens de bem. E desta arte, com as armas da justiça e de verdade, no meio da inglória e da infâmia, que vem a ser o natural sim e não da ignorância, caminha a Obra da Rua pela estrada da angústia, que ele nunca houve no mundo outra diferente para as obras que deixam ficar atrás de si a sua marca.

Pai Américo