MEMÓRIAS DE VIDA
Uns senhores, vindos de longe, vêm pedir acolhimento para um rapaz de vinte anos que muito os perturbou. Parece que vêm assustados com o que viram. Talvez uma lágrima dos teus olhos venha a cair nestas linhas. Não te admires, pois já bailou nos meus.
E contaram o que viram. O rapaz tem vinte anos. Perdeu o lábio inferior, depois o queixo e a pouco e pouco a carne da face foi desaparecendo de orelha a orelha, ficando naquela imensa boca, pendurado o osso maxilar, segurando a língua de que escorre permanentemente a saliva. Não pode falar nem ingerir alimentos sólidos. É um ser humano completamente desfigurado. Nos serviços de saúde disseram-lhe que nada podiam fazer. Que voltasse para lhe fazerem o penso. Era longe de casa e ninguém o desejava transportar naquele estado de saúde. Conformado, regressa a casa dos pais. Embora com muita pena - era a saliva sempre a escorrer da face - os pais não lhe dão um quarto.
No exterior da casa encontra-se um alpendre com uma manjedoura. Uma vaca vai ruminando palha ali sobre o mato. Os pais colocam uma cama de ferro junto à manjedoura e naquela deitam o filho, resignado e triste. Quando cheguei com o meu companheiro dei com o rapaz sentado na beira da cama, deixando escorrer a saliva para o mato a seus pés. Estremeci com o que acabava de ver. Tinha na minha frente o Presépio de Belém. Também Cristo nasceu num estábulo perto de uma manjedoura. Nós somos os pastores que viemos de longe. Não trazemos presentes, mas a vontade de levar este rapaz, do lugar indigno em que se encontra, para o nosso Calvário. Os pais tristes mas resignados concordam e deixam-no partir. E nós contentes levamo-lo em nossa companhia.
Como é verdade o Calvário!
Padre Baptista