MOÇAMBIQUE
No fim do dia temos sempre muitas novidades. Os nossos rapazes são cheios de vida e criatividade. Meu Deus, às vezes é preciso ter o coração bem preparado para ouvi-los. O Luijana não está em Casa. Tem 15 anos. Desde pequenino que foi acompanhado por nós. Ele tem uma deficiência nos braços e os seus pais separaram-se enquanto ele era bebé. O seu pai, fez um buraco para o enterrar, mas a comunidade reagiu aos gritos da criança e o socorreu. Todas as providências foram tomadas, mas Luijana nunca foi aceite pelos seus familiares. Aos 5 anos, veio para a nossa Casa e tudo fizemos para que fosse amado e respeitado por todos. O incentivo era diário: "Luijana, és capaz... vamos, tens uma caligrafia tão bonita... lês tão bem, arrumas bem o refeitório... como és inteligente."
Há 2 anos, foi convidado a conhecer a família do pai numa outra província. Enquanto esteve com os seus familiares sempre procurávamos notícias. Às vezes, boas; e outras, que corria perigo. Depois da experiência na família, onde foi sujeito a muitos maus tratos, conheceu a rua. Nessa aventura, o Luijana descobriu como tirar partido da sua fragilidade. A Acção Social teve que intervir, colocando pai e filho frente a frente. O pai assumiu cuidar do filho, contudo, ao sair do gabinete da Acção Social, colocou-o num autocarro e disse para voltar para a Casa do Gaiato. Foi com muito carinho que o acolhemos, reforçando as suas qualidades e minimizando os seus sofrimentos. Este ano, é a quarta vez que foge e desta vez encontrou o que não devia. Está sempre à volta de um Centro Comercial, o Polana Shopping, com seu aspecto de esperto a chamar a atenção. Que tristeza sinto pela maldade das pessoas. Ele faz todo tipo de chantagens e no seu teatro acaba dizendo: "Na Casa do Gaiato os mais velhos me batem... a comida é pouca... lá trabalho muito..." Em nome do seu teatro, tenho conhecimento que até alguns dos nossos amigos têm entregue dinheiro ao Luijana, mas incapazes de o acolher nas suas casas. Que pena!
Há uns dias atrás, apareceu uma Associação para fazer uma doação e falar dos Direitos da Criança. Na sua primeira intervenção, diziam "... neste orfanato nós sabemos que vocês precisam da nossa ajuda, mas nós queremos também trabalhar convosco de outra forma, desenvolvendo a vossa criatividade e transformando os vossos direitos em histórias verdadeiras..." Um rapaz, logo pediu a palavra e disse: "Nós não estamos num Orfanato. Somos uma família. Temos tios, tias, pais, mães e muitos manos... Somos uma família." Enquanto a sociedade continuar a fazer leis de protecção, reuniões, seminários e grandes métodos e fórmulas, com livros e relatórios tão bonitos, não vamos ao essencial. A vida é um direito de todos. O primeiro chamamento que Deus fez a cada um de nós e com muitas etapas a percorrer.
Vemos com tristeza coisas menos importantes, mas uma grande ponte para os ricos poderem andar mais rápido, enquanto que o número de crianças na rua aumenta diariamente e de uma forma assustadora. O estamos a pensar para eles? Até dizem, não à institucionalização da criança mas, de repente esquecem-se e trazem os filhos dos filhos, dos filhos... afinal são familiares! Que saiamos como Jesus saiu a desafiar a Pedro e o chamou medroso, a Cananeia quando pediu a cura para a filha, sem preconceitos e olhando para o presente. Tenhamos coragem de erguer uma grande ponte para que as nossas crianças possam ultrapassar as suas dificuldades e construir um futuro digno.
Estamos no mês de Agosto. Todos os anos, neste período as empresas correm para a FACIM - Feira Internacional de Moçambique -, para expor os seus produtos e serviços na expectativa de melhorar os seus negócios. Uma semana, em que a sociedade está centrada neste evento. Quem nos dera que os problemas reais da sociedade tivessem tamanha visibilidade. Nunca tivemos a casa tão cheia de crianças. Para cada caso é impossível dizer que não. E como dizer sim se não temos apoio humano, moral, espiritual e financeiro? É preciso cortar as amarras e gritar em voz forte, pois a vida é um dom de Deus e precisa de ser respeitada em todos os aspectos. Não vamos exigir dos pequenos o que os grandes não fazem. Que Deus nos acuda. Que as grandes organizações com responsabilidade social, sejam menos organizadas, quebrem o protocolo e façam como tantas vezes tem feito o Grande e Querido Papa Francisco.
Enquanto isto, continuamos com paciência à espera que alguém consiga sensibilizar o Luijana, que continua a fazer o seu teatro nas ruas, colocando em perigo a sua vida e vida de outros. Sejamos verdadeiros benfeitores no saber fazer!
Quitéria Paciência Torres