Normas de vida dos Padres da Rua

Normas de Vida dos «Padres da Rua»

Aprovação e bênção

«No próximo dia 16 de Julho, três dias antes da data em que a Igreja celebra a festa litúrgica de S. Vicente de Paulo, o Apóstolo dos Pobres e o restaurador da vida eclesiástica da França do século XVII, ocorre o aniversário da morte do Padre Américo.

A sua passagem pelo mundo foi labareda que lhe queimou o coração no amor dos Pobres e que despertou na alma de muitos, desde a Metrópole ao Ultramar, a inquietante preocupação dos outros.

Só Deus sabe quantos - sacerdotes, religiosos e leigos - encontraram no seu exemplo, nas suas palavras ou nos seus escritos, a revelação ou o estímulo da autêntica caridade cristã.

Para empregar uma expressão bíblica que o Concílio consagrou, pode dizer-se que o Padre Américo tinha o "carisma" da evangelização dos Pobres.

Estes souberam retribuir-lhe na morte a dedicação que lhes consagrou na vida. O Porto e o País inteiro jamais esquecerão o espectáculo ao mesmo tempo doloroso e triunfal (se é lícito empregar aqui tal palavra) que foi o cortejo que o acompanhou à sepultura.

Durante anos inteiros, primeiro em Coimbra e depois em Paço de Sousa e mais ou menos por todo o País, ele foi o "recoveiro" dos Pobres, visitando-os nas suas casas, atendendo-os nas suas necessidades, tomando à sua conta as crianças sem família ou em perigo moral.

Na educação das crianças o Padre Américo foi um pedagogo que honra a gloriosa tradição da Igreja nesta matéria.

Nele o amor e a intuição levaram-no a descobrir o que noutros seria fruto da reflexão e do esforço. O carácter educativo do trabalho, a importância do espírito de iniciativa e do auto-governo (quando deixado à idade e à capacidade do educando), o sentido de responsabilidade, a promoção dos valores humanos e a selecção dos que se revelam mais capazes - tudo isto, realizado de uma maneira extremamente simples e animado por uma esclarecida formação religiosa, que não se impõe de fora, mas vai ao encontro dos apelos espontâneos mais ou menos latentes na alma dos jovens, fez do Padre Américo um grande mestre da pedagogia cristã.

Não é de esquecer a obra do doente incurável à qual ele deu o nome significativo de "Calvário". Um doente nestas circunstâncias corre o risco de ser considerado e de se considerar a si mesmo (se está em condições de o fazer) um ser inútil no mundo.

O Padre Américo teve a intuição do valor do sofrimento sem esperança. Este é, para quem tem de o sofrer, um apelo e como que uma exigência de um outro mundo,
onde possam ser compensadas as desigualdades e as angústias sem remédio que existem neste; e, para quem tem de o cuidar, o convite a um acto de fé permanente
na presença de Jesus, escondido no corpo do doente incurável. Toda a compensação humana se encontra arredada desta tarefa. Por isso a obra do «Calvário» constitui a expressão mais pura da fé do Padre Américo e dos seus continuadores.

Nunca o Padre Américo, no trabalho de amparo e socorro aos Pobres, quis fazer obra que fosse «sua». Ele sabia-se um Sacerdote da Igreja, inserido na Igreja, servindo em nome da Igreja.

Nas horas mais importantes da sua missão de bem-fazer, com admirável espírito de fé, ele procurava a palavra de ordem da Igreja - e a Igreja era primariamente o seu Bispo. Não foi só nos escritos que ele repetia a palavra de Santo Inácio: Nihil sine Episcopo; foi, antes de mais, nas suas atitudes e nos seus gestos.

Daí lhe vinha a "segurança" e a autenticidade do seu apostolado.

Este é o selo das obras que não morrem.

A "Obra da Rua" continua viva depois da morte do seu Fundador.

A evangelização dos Pobres, designadamente da criança abandonada, que o Espírito Santo lhe inspirou como sua missão específica, apaixonou, a exem­plo seu, muitas almas de Seminaristas e Sacerdotes.

Mesmo aqueles que não puderam segui-lo, porque destinados pelos seus Bispos a outras tarefas, ganharam com o seu contacto e com a leitura desse Jornal, único no género, que se chama "O Gaiato".

Mas alguns puderam segui-lo mais de perto, e, depois da morte, tomaram nas mãos, fiéis ao espírito do Fundador, a herança transmitida. São Sacerdotes diocesanos, que, sem deixarem de estar incardinados nas suas Dioceses e continuando unidos pelos laços de obediência e caridade aos seus Bispos, receberam a específica missão de evangelização dos Pobres. Por eles a Igreja quer estar presente no mundo dos nossos irmãos "mais caídos e mais abandonados, nomeadamente a criança sem família ou em perigo moral e o doente incurável".

A esta missão deu o Fundador o nome de "Obra da Rua", a qual tem personalidade jurídica no foro canónico e civil.

Os Sacerdotes que, com permissão dos respectivos Prelados e seguindo o chamamento especial de Deus, se encontram ao serviço da "Obra da Rua" constituem uma família, ligada entre si pelos laços da caridade fraterna e pelo objectivo comum que constituiu a vocação específica do Fundador. Porém, para mais facilmente atingirem o fim a que foram chamados, elegem entre eles o seu Superior, a quem ficam vinculados pela virtude, embora não pelo voto, de obediência.

O Superior legitimamente eleito é confirmado pelo Ordinário do lugar onde se encontra a Casa-Mãe.

Os Sacerdotes que trabalham na "Obra da Rua" orientam-se por alguns princípios: antes de mais, por aqueles que se encontram consignados nas páginas do Evangelho e os que a sabedoria da Igreja daqueles deduziu.

Dada, porém, a sua missão específica, regem-se também, no exercício desta, por normas que foram colhidas no contacto pessoal e na meditação dos escritos do Fundador, tendo muitas dessas normas a própria redacção literal dele.

Pelo presente documento, como Ordinário do lugar a cuja jurisdição pertencem os actuais "Padres da Rua", aprovamos e abençoamos essas normas, a título de experiência.

Qualquer modificação que esta venha a aconselhar, ser-nos-á antecipadamente proposta para a devida aprovação.

Os Prelados que têm Sacerdotes seus ao serviço da «Obra da Rua».

Fátima, 3 de Julho de 1965

† Manuel, Cardeal Patriarca

† Ernesto, Arcebispo Bispo de Coimbra

† Florentino; Adm. Apost. do Porto

† Manuel, Bispo de Bragança

† Manuel, Bispo de Aveiro»


Os Prelados que têm a «Obra da Rua» ao serviço da Igreja nas suas dioceses:

                          

† Daniel, Bispo de Nova Lisboa

Nova Lisboa, 19 de Agosto de 1965

† Pompeu, Bispo de Malanje

Malanje, 22 de Agosto de 1965


«Agradou-me, acima de tudo, que tivessem resolvido fixar-se na figura jurídica de padres diocesanos em missão especial, não só pela matéria que a sociedade lhes entrega e pela forma de «povo de Deus» em Igreja «ordinária» que lhe devem dar, mas especialmente pelo testemunho directo de Igreja que são para o nosso mundo».

† António, Bispo do Porto

«As Normas de Vida dos «Padres da Rua» são um pedaço de Evangelho como o Senhor o viveu e o ensinou.

Se S. Francisco hoje tornasse ao Mundo, para ser o «Cristo» dos nossos tempos, como foi o «Cristo» da Idade-Média, não escolheria por certo, para salvação do mundo actual, normas diferentes destas».

† Sebastião, Bispo da Beira


                              Os Padres da Rua

                                                         O SER


                                                               1 - A Génese

                                                               2 - O Espírito

                                                               3 - O Corpo

                                                               4 - A Vida

                                                         

                                                          O AGIR

                                                                A OBRA DA RUA

                                                               1 - Natureza e Fins

                                                               2 - Os Meios

                                                               3 - Unidade

O SER

A GÉNESE

1 - Os «padres da rua» são sacerdotes que, por sua livre vontade e com licença superior, se dão totalmente a Deus na «Obra da Rua».

2 - A união num mesmo espírito e em uma Família é o fundamento da vida comunitária, sem a qual faltaria razão de ser ao grupo sacerdotal.

3 - Este mesmo espírito e esta Família nasceram da vocação do Fundador e da sua fidelidade a ela.

4 - Alimenta-se este espírito pela meditação do que há de específico na vocação do Fundador - a vocação própria dos «padres da rua»; e fortificam-se os laços de Família pela oração em comum, pela comunidade de bens e serviços recíprocos, pela amizade fraterna positivamente procurada entre os padres e pelo exercício de um mesmo apostolado, animado pelo mesmo espírito.

5 - Este espírito anima a vida comunitária: em primeiro lugar pela total entrega de cada um ao serviço da Igreja, que os «padres da rua» devem amar com a paixão fervorosa do Fundador; depois, pela inspiração do mesmo apostolado, cujo exercício cria entre eles laços de interdependência.

6 - Esta interdependência exige um mínimo de organização, sem a qual a vida comunitária não teria esta estabilidade nem eficácia a respeito dos seus fins.

7 - Todavia, a necessidade de organizar internamente a vida comunitária dos «padres da rua» não os segrega da diocese de tal modo que eles não possam permanecer apenas um grupo de sacerdotes seculares que, por vontade própria e com licença do seu Bispo, se dão a um apostolado específico, animados por um espírito e métodos próprios.

8 - Este apostolado específico pelo qual os sacerdotes, por vontade própria e consentidos pela Igreja, se unem num grupo sacerdotal, é a evangelização dos Pobres, dos mais caídos e abandonados, nomeadamente a criança sem família ou em perigo moral e o doente incurável.

9 - Ora, estes mais caídos e abandonados são ovelhas do rebanho episcopal, que exigem, pela profundidade da sua miséria, atenção e remédios especiais.

10 - A vocação dos «padres da rua» é um chamamento de Deus a esta especial cura de almas, tendo de específico somente o que é necessitado pela natureza deste apostolado.

11 - A vocação genérica do «padre da rua» é a do padre diocesano: Trabalhar na Igreja na salvação de almas que têm um Pastor, em nome desse Pastor.

12 - O apostolado dos «padres da rua» é, pois, serviço da Igreja na diocese. Só o específico da sua vocação, a identidade do espírito que os anima e dos métodos que empregam, aliados à eficácia que resulta de toda a união, determinam o agrupamento sacerdotal e consequente organização.

13 - Esta é essencialmente interna e ordenada à realização do apostolado específico. Procura exclusivamente unir os padres no mesmo espírito e dotá-
-los dos mesmos métodos, de modo a conseguir a unidade de acção.

14 - Portanto, não desvincula o padre do seu Bispo. O seu ideal permanece: Servir em nome do Bispo, em união com o Bispo - Nihil sine Episcopo.
E, ainda que a conveniência do apostolado indique um padre para um posto fora da sua diocese de origem, nem a distância destrói os laços da incardinação, nem a mística deixa de valer: Onde quer que esteja, servir a Igreja em nome do Ordinário do lugar e em união com ele.

15 - Recapitulando e concluindo: os «padres da rua» formam um grupo moralmente unido em vida comunitária, em ordem a um apostolado de Caridade incarnado em acção social. São padres diocesanos. Assim se consideram e desejam permanecer, sem outro anseio senão que os seus Bispos os considerem efectivamente ao serviço da Igreja sob a sua autoridade, com a liberdade de acção que o seu modo de ser pede e o facto de estarem em diferentes dioceses postula, para que não percam o espírito do Fundador e a unidade da acção.

O ESPÍRITO

16 - «Os padres da rua são padres seculares. Não usam hábito. Não fazem votos. Não têm residência. Nem família, nem amigos, nem campos, nem interesses, nem nada».

17 - «São apaixonados de Cristo. Podem não ter carismas sensíveis, nem os olhos e ouvidos dos primeiros Apóstolos; mas são da mesma paixão e gastam-se como eles, em revelar ao mundo as incompreensíveis riquezas de Cristo».

18 - «Recordem a toda a hora que sem Ele nada é possível e com Ele nada é impossível. Neste sentido, o «padre da rua» não aceita dúvidas. É um obreiro do Senhor que vê a Obra feita antes de começada.

19 - «Os «padres da rua» são homens de vida interior, que por si mesmos se submetem aos conselhos de Cristo Nosso Senhor, como se O tivessem visto, ouvido e conhecido na Sua vida mortal».

20 - «Foram escolhidos... Devem guardar e fazer render o dom da escolha, na fragilidade das suas misérias - Repleti multis misériis».

21 - «Lembrem-se de que a virtude específica das suas pessoas e Obra não basta para que o mundo veja neles a Luz. A par do espírito que os coloca na primeira Bem-aventurança, mergulhe cada um na vida escondida do Mestre, onde necessariamente encontra as mais virtudes que o fazem crescer em Graça e em santidade».

22 - «Os «padres da rua» só podem crescer e caminhar na medida em que se convençam das maravilhas que Deus opera pelas suas passadas e as preguem ao mundo. Doutra maneira seria desperdiçar».

23 - «Por isso, saibam esconder-se em seus escritos, suas falas e tudo quanto seja expressão, para que a Obra de Deus resplandeça e converta. Sem Humildade nada».

24 - «A sua regra é o Evangelho meditado e praticado na vida interior e também na de relação com o seu semelhante, mormente com os Pobres mais caídos e mais abandonados. O Rapaz da rua, o Doente incurável, a Família em desagregação - são a sua parte.»

25 - «São pobres: pobres por devoção. O espírito de pobreza é a sua pedra de toque. Eles são homens que não podem perguntar o que hão-de comer e vestir, sem deixarem, contudo, de trabalhar e poupar para terem sempre à mão o necessário, tanto para si como para as multidões que os procuram».

26 - «Devem ser firmes e resistir com toda a confiança à tentação do pecúlio, quer ela venha de dentro, quer de fora. Jamais fazer seu qualquer emulomento por prestação de trabalhos, ou esmola a título pessoal. A vida deles é comunitária. Não mintam ao Espírito Santo como outrora fizeram alguns aos pés dos Apóstolos e pereceram!»

27 - «Os «padres da rua» podem, naturalmente, pedir ao Superior e retirar dos dinheiros correntes o necessário para as suas legítimas necessidades. Mas não podem, em consciência, ter a sua bolsa».

28 - «Guardem-se de insinuar testamentos ou quaisquer formas de possuir que venham mais tarde a macular a nossa verdadeira riqueza. Tampouco se prestem a dar conselhos sobre últimas disposições. Não nos manda Deus tratar de negócios materiais, mas sim de salvar homens pela força do Evangelho».

29 - «Neste ponto deve o «padre da rua» ser decidido para se vencer, não só a si mesmo, mas também o conceito dos homens bons, que procuram bens de mão morta como condição de vida das suas obras».

30 - «A nós compete-nos viver uma pobreza heróica e dolorosa, amada por amor da pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, de cuja fidelidade depende a suficiência perene das coisas necessárias à vida, quer na doença, quer na velhice. Duvidar é recuar».

31 - «Os «padres da rua» são mendicantes: Padres pobres ao serviço de uma Obra pobre. Sempre que for necessário saiam a mendigar e recebam por amor de Deus, tanto o sim como o não».

32 - «Com licença dos Bispos vão pelas Igrejas e apresentem-se ousadamente como padres sem oiro nem prata, sabendo que a eficácia da palavra que faz estremecer as almas provém, não deles, mas sim da total concordância entre o que dizem e o que realmente são».

33 - «Vejam na afluência das esmolas uma obrigação de mais distribuir e melhor realizar. Faltando elas, bendito seja o Senhor Deus de Israel».

34 - «É proibido aceitar heranças por testamento. Não se deixem levar pelo falso raciocínio de que, tendo mais, podem fazer melhor. No caso de uma herança não é verdade. É a carne a falar. Rejeite-se aquele pensamento por um acto de fé na vida e nas promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo».

35 - «Os «padres da rua» são obedientes por devoção. Em primeiro lugar à Igreja. E, por amor desta, ao seu Superior eleito. Não discutam. Não sofismem. Aceitem por um acto de fé, como sendo de Deus, a vontade expressa do Superior. Sem obediência assim compreendida e praticada é impossível existir união».

36 - «Os «padres da rua» são, por natureza, o Pai de Famílias, o homem aflito, queimado interiormente e constantemente pelas necessárias vicissitudes da Obra, até ao desgaste final - a morte».

37 - «Não se molestem e sofram até ao fim, a ingratidão dos a quem servem, se a houver. É o sal. É a recompensa divina: eles são servos de Deus. Por estas dores chega-se mais depressa à contemplação do Homem das Dores, que levou a vida mortal a servir».

O CORPO

38 - O corpo moral que os «padres da rua» constituem, tem por padrão a Família. Os «padres da rua», porque irmanados no mesmo espírito e no mesmo ideal apostólicos, têm-se entre si como irmãos.

39 - Daí o dever de se unirem em tudo o que for fundamental para a edificação da Família, cujos valores, em doutrina e bens sociais realizados, receberam do Fundador.

40 - Têm, igualmente, a obrigação de superar todas as diferenças acidentais que os distinguirem, cônscios de que elas não significam divisão, mas sim enriquecimento do grupo.

41 - Jesus, único Mestre e Senhor, do Qual todos se consideram discípulos e servos, à imitação do Fundador e de todos os Homens de Deus, é o centro de encontro, pois nenhuma outra aspiração os anima que não seja realizar a Sua vontade e trabalhar na dilatação do Seu Reino.

42 - A pobreza dos meios materiais e dos meios humanos de que dispõem, une-os e tranquiliza-os - pois é garantia de não ultrapassarem o que Deus quer deles; certos de que nunca ficarão aquém porque Deus lhes falte com o necessário à realização do que Ele quer.

43 - Os «padres da rua» têm vida comunitária, mas não vida comum. Cada um dirige a Casa ou Casas de que foi entregue, na instante procura de fidelidade ao espírito e métodos do Fundador.

44 - A vida não comum e a sua estruturação em princípios mais do que em regras muito concretizadas, de modo tal que é deixada a cada um larga parte de iniciativa e de responsabilidade no governo da comunidade a seu cuidado, obriga cada padre a um esforço mais pessoal e constante de fidelidade ao espírito comum e a uma auto-vigilância muito leal para se manter em paralelo com os outros padres.

45 - A própria obediência ganha em esforço de docilidade, de entre-ajuda, de fé, o que não ostenta em formalismo, dado o teor familiar que caracteriza a vida comunitária.

46 - Para a manutenção e aprofundamento do espírito comum e esclarecimento de pontos em dúvida, os «padres da rua» reúnem-se mensalmente numa das Casas da Obra. As reuniões mensais dos «padres da rua» constam de uma sessão de trabalho, em que cada um faz um breve balanço do mês anterior e todos põem em comum dificuldades, êxitos e fracassos da sua acção apostólica; os problemas do interesse geral da Obra; e aqueles que transcendem o quotidiano e portanto a capacidade de resolução de cada padre só por si. E consta ainda de uma manhã de recolecção espiritual em comum.

47 - De resto, os «padres da rua», como diocesanos que são, cuidam da sua vida espiritual, usando os recursos que a diocese onde se encontram oferece para tal aos seus sacerdotes: A confissão, a direcção espiritual, as recolecções, os retiros, cursos ou sessões de estudo a que possam assistir e enriqueçam a sua formação e a sua informação em ordem ao seu múnus.

48 - É bom, mesmo, que convivam com os sacerdotes da região, entre-ajudando-se sem atropelo da hierarquia das suas obrigações, evitando tudo o que possa fazê-los, ou mesmo fazê-los parecer, gente segregada. O primeiro vínculo que realiza a união dos «padres da rua» entre si é a sua total entrega ao serviço da Igreja; o segundo, a sua entrega à Obra da Rua (cf. n.° 5).

49 - Em tudo e sempre, cumpre aos «padres da rua» ordenar a sua vida segundo as disposições tanto dos cânones do Direito Canónico (124-144), como decretos do Concílio Plenário Português (1-43), ou outras normas da Igreja respeitantes à vida e honestidade sacerdotais.

50 - Além dos padres, podem pertencer à Obra, em sentido estrito:
a) Aqueles seminaristas que, dedicados já ao serviço da Obra, se preparam em Seminário da Diocese que lhes dará incardinação.
b) Aquelas Senhoras, ou outras pessoas, que deixaram tudo para se darem e gastarem ao serviço da Obra, sem esperança de outra recompensa senão a de Deus.
c) Aqueles Rapazes - se casados, com suas esposas - que, estando ao serviço da Obra, fundem nela as suas vidas, decididos a participar sem reservas nem condições a aventura providencial que a Obra incarna, ambiciosos apenas da perfeição e do prémio eterno a que esta conduz - são os Continuadores.

51 - Além destes membros em sentido estrito, em sentido lato, consideram-se  Cooperadores aquelesrapazes que, embora não fundindo as suas vidas na vida da Obra, a desejam servir, animados pelo mesmo espírito e usando os mesmos meios para a realização do mesmo apostolado.

52 - Em sentido ainda mais lato, consideram-se também da Família, aquela imensa e anónima legião de Amigos que, com o seu amor, seus sacrifícios, suas orações e esmolas, ajudam os obreiros de dentro a realizar a Obra.

53 - Na perspectiva eminentemente activa que caracteriza a pedagogia do Fundador, consideram-se ainda como obreiros  em lato sentido, todos aqueles por quem a Obra é e a quem serve.

A VIDA

54 - A vida comunitária dos «padres da rua» realiza-se não só em espírito de Família, mas em comunidades estruturadas à maneira de uma Família. «Eles são por natureza o Pai de Família».

55 - Os vários centros desta realização vital - as Casas da Obra - são, pois, relativamente umas às outras, fraternidades, em que cada padre é o Pai de Família.

56 - Deste modo, a natureza da Obra pede que haja estabilidade dos padres à frente de cada Casa. Todavia, por motivo razoável, como seja a particular dificuldade de uma Casa, a abertura de novas Casas, ou outros, podem os padres ser mudados.

57 - Esta mudança é feita sob o parecer de todos os padres e decidida pelo que orientar a Obra.

58 - Este é eleito por todos os padres para um período de cinco anos, renovável. A eleição é ratificada pelo Prelado que assistir especialmente a Obra.

59 - Este Prelado será um dos que têm padres da sua diocese na Obra, ou Casas na sua diocese, por delegação dos outros Prelados nas mesmas condições.

60 - Para as eleições segue-se o que prescreve o Direito (can. 160-182; 506-507).

61 - Lembrem-se os «padres da rua» e demais membros da Obra, que a autoridade vem de Deus e não há senão um só Mestre e Senhor, Jesus Cristo, a Quem o Orientador da Obra representa.

62 - Este tem o direito de mandar em virtude do poder chamado dominativo, não de modo arbitrário, masconforme às normas de direito geral sobre os deveres dos sacerdotes seculares e às que obrigam os «padres da rua» por força destas Normas de Vida.

63 - Todavia, habitualmente, não usará deste poder, mas agirá sobre a forma de exortação, encorajamento, aviso. E, a pedido de um membro que quer ver numa ordem formal a expressão da vontade de Deus, ou quando um qualquer acontecimento extraordinário justifique o exercício deste poder, ele invocá-lo-á expressamente e o direito consequente de ser rigidamente obedecido.

64 - Ainda neste último caso, o Orientador recorrerá primeiro ao modo habitual de agir: As resoluções difíceis são tomadas em reunião de todos, com conselho de todos, se possível por votação. Mas conserva sempre o direito de decidir, se o invocar expressamente e desde que não haja maioria absoluta em contrário.

65 - Quanto a bens temporais, os «padres da rua», não constituindo um instituto canónico, não têm problemas que a posse origina. Estes surgem na Obra que os padres realizam e superiormente gerem e serão regulados adiante.

O AGIR

A OBRA DA RUA

Natureza e fins

66 - Os «padres da rua» exercem a sua vocação na Obra da Rua. Esta é a incarnação da actividade apostólica dos padres. «É um fruto das Obras de Misericórdia praticadas com a intenção de que o mundo veja e glorifique o Pai Celeste».

67 - A alma da Obra da Rua é a Caridade, a qual informa um corpo de natureza assistencial, cuja existência no seio da sociedade civil lhe determinou os estatutos civis aprovados e abençoados pela Autoridade Eclesiástica, pelos quais a Obra se tem regulado e continuará a reger-se no foro civil.

68 - Formalmente, os «padres da rua» fazem Caridade. As suas Normas de Vida retratam o que eles são e regulam o seu apostolado. Materialmente, fazem assistência, pelo que receberam da Autoridade Civil um Estatuto, também aprovado e abençoado pela Autoridade Eclesiástica.

69 - A Obra da Rua é uma correspondência à fome e sede de Justiça de tantos de quem os «padres da rua» comungam a dor. «Eles fazem seus e procuram resolver os problemas da gente da rua. Saiam, portanto, a visitar o Pobre, quer nas cidades, quer nas aldeias, inteirando-se da vida e do estado de cada um».

70 - «O século de agora anda esquecido. Os Pobres constituem encargo indesejável. Ora Deus quer que pela nossa oração e acção se indique ao mundo o caminho da Verdade».

71 - «Construam-se casas de habitação e entreguem-se sem renda aos que delas necessitam. Construam-se abrigos para doentes incuráveis que não têm onde viver nem onde morrer. A Deus nada é impossível».

72 - «Pela força e crédito dos seus escritos, defendam os direitos e levem os homens a reconhecer e a respeitar o Pobre».

73 - «Aquele a quem Nosso Senhor deu o talento de escrever, escreva como quem reza. Prepare-se como quem vai falar de Deus. Só desta forma corresponde e faz valer o dom».

74 - «No seu periódico «O Gaiato» e em outras edições, não peçam nem aceitem propostas de anúncios sobre assuntos do século. Todo o espaço e todo o tempo é pouco para revelar Cristo às almas».

75 - «Também não aceitem colaboração de estranhos, ainda que homens de saber e de virtude. Dê-se, sim, preferência ao Rapaz, que por isso se educa e revela, fazendo bem às almas dos que lerem».

76 - «Não sejam solícitos em pôr a preço os jornais ou edições que saem dos nossos prelos. É melhor deixar tudo à generosidade espontânea de cada um».

77 - A Obra da Rua é o amparo dos mais abandonados, que ela procura levantar com o próprio concurso dos assistidos, rejeitando a tentação dum ministério mais frutuoso com pessoas menos difíceis.

78 - Sendo o seu padrão a Família, é uma Família o que ela pretende ser para os que nunca a tiveram ou a perderam.

79 - Por isso, que os sem-Família são o seu objecto, é preocupação dominante defender a Família, prevenindo a sua desagregação e remediando as consequências das já desagregadas.

80 - Daí, o movimento da Obra nascido e dela irradiado acerca do problema da habitação dos Pobres e dos Miseráveis, válido como grito de alerta para esta urgência social e válido ainda nos problemas que já solucionou - o Património dos Pobres e suas modalidades.

81 - Daí, o debruçar-se com sobrenatural solicitude sobre o doente incurável, a quem falta tudo quanto de material lhe poderia adoçar o sofrer e o carinho da Família que não tem - o Calvário.

82 - «E, em primeiro lugar na ordem cronológica e na extensão do serviço, é o amparo da criança abandonada, que a Obra realiza nas Casas e Lares do Gaiato.

83 - «A Obra da Rua prefere os mais repelentes, os mais difíceis, os mais viciosos. A Obra nasceu com este espírito e assim tem de continuar, para ser através dos tempos uma palavra nova. Que ninguém jamais deturpe».

84 - «No dia em que, por desgraça, se viesse a receber a criança com dote por uma que o não tem; se viesse a tomar a criança bem comportada por uma que o não é -, nesse dia entrava a maldição de Deus no seio da Obra. Era a sua decadência».

Os Meios

85 - «A Família é a escola natural da sólida formação do homem. Tudo quanto seja regresso a Nazaré é progresso social cristão».

86 - «Não há sistemas. Não há regras. Não há estatutos. Há a intuição».

87 - «O uso de castigos corporais, onde não possa ser totalmente banido, seja escrupulosamente aplicado; vale mais a palavra amiga, conveniente e oportuna».

88 - «A Justiça é a primeira arma de combate aos vícios, às quedas e más inclinações do Rapaz. Ela persuade, encoraja, dá brio; é irmã gémea do Decálogo. Por isso, o que preside, tem de se munir desta arma para todos os casos, ainda os mais insignificantes, sabendo que, quanto mais tenra for a idade, mais vivo é na criança o sentimento da Justiça».

89 - «A vida religiosa nas nossas comunidades seja o centro. As grandes aflições dos «padres da rua» tenham aqui a sua origem; vale mais a alma do que o corpo.Por ela, pela alma dos Rapazes, sangrem os padres até ao fim. A nossa Capela. A missa dominical. O ensino da doutrina cristã. A prática das orações quotidianas. Os sacramentos: - Pôr-lhes a mesa, chamá-los ao banquete e chorar se eles não quiserem vir. Chorar os nossos pecados».

90 - «Cuide-se de fomentar na alma do Rapaz o amor aos Pobres, como complemento necessário da sua educação religiosa. Para tal, sejam distribuídas, por mão deles, parte das esmolas que os fiéis nos dão. Como já acontece nas Casas existentes, noutras que, porventura, se venham a erguer, dê-se ao Rapaz a iniciativa total desta santa e doce tarefa, por amor de Deus; estão aqui os alicerces seguros de uma Obra cristã».

91 - «A vida de trabalho deve seguir a par. A um dia de trabalho corresponde uma noite tranquila e sã. Cada Rapaz tenha a sua obrigação e seja chamado a contas por ela».

92 - «Nunca se ocupe o estranho em trabalhos que possam ser feitos por eles. O brio; a iniciativa; a personalidade - tudo procede daquela fórmula. É a nossa divisa: Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes. O trabalho deles, por mão deles, querido por eles, é, ainda, a extinção lenta e sadia dos defeitos morais que os afligem».

93 - «A tendência da Obra, é que sejam Rapazes os seus próprios continuadores. Por isso mesmo escolha-se entre eles o mais avisado e dê-se-
-lhe preparação. Os «padres da rua» não devem ter funções administrativas. É melhor que os trabalhos agrícolas, as indústrias e mais actividades, sejam dirigidas e exploradas por Rapazes idóneos, segundo a escolha do Superior, a quem devem prestar contas e dar todos os esclarecimentos».

94 - «Dê-se ao Rapaz o sabor de comer o pão, em nossas Casas, com o suor do seu rosto. Chame-se cada um a esta responsabilidade e não se lhe falte com o salário justo».

95 - Em relação aos doentes do «Calvário», os meios de acção são inspirados nos mesmos princípios de respeito pela pessoa humana e de assistência activa, com as adaptações aconselháveis.

Unidade

96 - «As Casas existentes e outras que porventura se venham a fundar, devem gozar de uma racional independência e, quanto possível, bastarem-se. Porém, jamais a multiplicação venha nunca a prejudicar a sua Unidade».