O nosso Calvário
Em 60 anos de vida do Calvário, quantas vidas enriquecidas no contacto com os doentes, semelhantes nossos, experiências vivas que transformam a vida?!
No Calvário, cada padecente vive, «levando a sua cruz sem a arrastar».
O mundo quer outra coisa... Fomos visitar alguns dos nossos doentes nos lares onde foram colocados. Que diferença! Simplesmente objectos. O mundo não sabe nem quer fazer melhor. É que o homem quer viver! Quer ter família! Quer participar na vida da comunidade, ainda que não faça tudo bem.
Nós queremos que o doente seja feliz. E só pode ser feliz se se sentir livre, amado e em sua casa. No Calvário esta é a base da vida.
Não queremos que os doentes sejam peças de um xadrez que se movimentam por interesse pessoal ou ideológico de outros.
No Calvário, os doentes são pessoas humanas, com todos os direitos que lhe competem e com toda a possibilidade de cumprirem os seus deveres, humanos e morais, que a sua condição pessoal lhes permita.
Volvido um mês da retirada dos nossos doentes, voltaram para levar os restantes e os nossos rapazes da Casa do Gaiato de Beire. Para com os primeiros vedamos-lhes o intuito; aos rapazes, não tendo nós podido acompanhar o processo porque outro processo decorria em simultâneo, conseguiram convencer 6 dos 14 rapazes. Os que ficaram, choram pelos que partiram. O Nana, é o mais sentido: «Quando voltam os meus irmãos?», vem ele repetindo após o choque inicial que o transtornou emocionalmente.
E os que partiram? Nós ficamos incrédulos ao seu sim para irem. Mas, ao mesmo tempo, nada convencidos de que se tenha tratado de um desejo consciente para ir. É sintomática essa atitude num deles, o Jorge, que levou a sua bicicleta com que, pelo menos uma vez por semana, ia visitar a sua mãe que está internada, há largos anos, num lar em Paredes, a cinco quilómetros de casa. Agora longe, não sabemos onde, como levou ele a bicicleta convencido que continuaria a visitá-la?
A quebra da rotina, a que todos somos sensíveis, com a possibilidade de viajar num autocarro posto à disposição, pode ter aliciado alguns.
Mas o doce passa. A saudade não se apaga. Do lado de cá há saudade; e do lado de lá não duvido que também há. «Onde estão os nossos irmãos? Quando voltam?»
Padre Júlio