Padre Manuel António, obrigado!
Era um mar de gente. Não havia nada. Havia guerra.
Cheguei a Benguela em Outubro de 2001. Vinha com a promessa de dois anos de voluntariado pelos Leigos para o Desenvolvimento. Era um mar de gente. Um povo bom, como dizia o Pe. Manuel. Eram seus amigos, porque na vizinhança partilhada, sempre testemunharam a sua bondade e essa infinita dedicação aos filhos da terra. Um homem extraordinário. Não tinham nada, não havia nada. Havia a Casa do Gaiato. Havia o Pe. Manuel.
Tantas vezes
testemunhei as suas preocupações - a educação dos rapazes, o emprego para os
mais velhos, os pobres das proximidades, os empregados da casa, o futuro da
Obra de Rua. E vacilei. Mesmo perante a grandeza do seu testemunho cristão, na
defesa de um legado moral e ético para os seus rapazes, muitas vezes
questionei:
— Reconhecerão, um dia, estes filhos do sul de Angola, que na fortuna da sua
juventude se cruzaram com este pai piedoso vindo do norte de Portugal?
Chegámos a Santiago de Bougado a 6 de Dezembro de 2024. Viemos em romaria à sua terra natal. Numa homenagem singela, no aniversário da sua partida para o céu, celebrámos, com a sua família daqui, esta vida singular. Está connosco o Samuel Candjila, gaiato de Benguela, que, agora também é pai, veio viver para Lisboa com a família que constituiu. Junto à sua campa, enquanto o Pe. Alfredo enaltece a sua memória, reparo que alguém chora. É o Samuel. Ficámos para trás. E, como uma brisa soprando das praias de Benguela, vejo o Pe. Manuel. Sorrindo, contempla os seus rapazes. Sinto-me um privilegiado. Na epifania do momento, em Santiago de Bougado, o Samuel abraça o pai e, como um filho muito amado, agradece tudo o que lhe foi dado.
Um dia depois desta nossa homenagem, escreveu-me o António de Jesus. Também ele gaiato de Benguela, também ele a viver em Lisboa com a família que formou. E diz: — Não pude ir. Mas era um grande desejo que tinha de conhecer a terra do nosso pai e o lugar do seu descanso...
Estou profundamente agradecido. Obrigado ao Samuel por representar todos os rapazes da Casa do Gaiato de Benguela. E, naquele olhar que contempla, descubro que, apesar de todas as suas preocupações, sempre confiou num futuro em que os seus rapazes formariam as suas próprias famílias.
Agora não vacilo. Valeu a pena. Obrigado, Pe. Manuel.
Nuno Saraiva