Pão de Vida 

Grande Dor

"Não temais, pois valeis muito mais do que os passarinhos" (Mt 10,31).

Ainda na retina com imagens horrorosas de um incêndio na Torre Grenfell, em Londres, a 14 de Junho, que provocou 79 mortes, eis que Portugal foi sobressaltado na tarde do dia 17 de Junho por um incêndio pavoroso que assolou o Concelho de Pedrógão Grande e se propagou rapidamente, alastrando a Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Góis. Depois de soarem as sirenes dos abnegados soldados da paz, noite dentro, foi-se percebendo a dimensão da tragédia. Foi o incêndio mais mortífero registado no nosso País, com 64 mortos, mais de 200 feridos, cerca de 150 famílias desalojadas e 53 mil hectares de floresta ardida. Na estrada nacional 236-1 pereceram 47 pessoas, quando tentavam fugir desesperadamente das chamas.

O Papa Francisco, no Angelus, na Praça de S. Pedro, do dia 18, exprimiu também a sua dor: Manifesto a minha proximidade ao querido povo português pelo devastador incêndio que está a atingir as florestas à volta de Pedrógão Grande, causando numerosas vítimas e feridos. Rezemos em silêncio.

Onde bate um coração português e amigo, a todos esta desgraça feriu profundamente. O Bispo de Coimbra, entre outros, deixou a todos uma palavra de conforto, na comunhão e na oração pelos que sofrem e perderam a vida. Dois meses antes, os Bispos portugueses, na linha da Carta Encíclica Laudato si, sobre o cuidado da casa comum, tinham posto o dedo na ferida: Cuidar da casa comum - prevenir e evitar os incêndios.

Foi um cenário lunar, que calcorreámos por estes dias dolorosos nas serranias de Pedrógão, de dor grande que feriu estas gentes humildes e laboriosas: Nodeirinho, Vila Facaia, Pobrais... As labaredas impiedosas deixaram um rasto de destruição que nos enche de tristeza medonha. O nosso pequeno Marcelino atalhou, ao passar no IC8: - Como é que isto aconteceu?... A zona dita do Pinhal ficou ainda mais deprimida, sem recursos e sofrida com tantas vidas humanas sufocadas (e as crianças, Senhor?...). Fomos, pois, ao encontro dessas comunidades tão próximas, ao cuidado de um filho da terra, Padre Júlio Santos, que fala a linguagem do povo e está com ele. É preciso, agora, fazer o luto e cuidar dos que sofrem, com os olhos no Alto. Numa Eucaristia, na Matriz, com o Senhor da Vida, sentimos que não morreu a alma deste povo, também ao desfiar as contas. Com Portugal em choque, o que falhou nesta tragédia não é da nossa lavra. Quem arriscou a vida para salvar outras vidas e bens, sem medo, desceu àquele inferno pedregoso como gente grande.

Vem aqui dizer que há duas semanas muitos amigos nossos e ovelhas suas tinham alegrado esta comunidade, despedindo-se ao som de acordeão nas mãos de rapazito da catequese. E, depois, foi o céu a fechar-se, todo carregado de nuvens espessas de fumo, escondendo o astro da manhã, às portas do Verão - Sábado de cinzas...

Se os portugueses deram a volta ao mundo e o homem chegou à lua, porque se vai perdendo a Terra? Em Portugal, a floresta tem sido destruída de forma alarmante e o toque a rebate vai deixando em debate questões sérias, em política florestal, na problemática dos incêndios, sua prevenção e combate. Seja-nos permitido uma observação, apenas: nesta região, se botarmos os olhos atentos às serranias a nível de ordenamento florestal, o pinhal vai sucumbindo, o lucro espreita mais com a monocultura da árvore gasolina. Quem investe nas árvores autóctones e de crescimento lento (carvalhos, castanheiros...), em novas plantações, como barreiras de contenção? Vai ficando para trás o velho adágio, em que se desvanece um sonho: a floresta dá despesa ao avô, trabalho ao pai e rendimento ao filho. No rol de dificuldades, surgem a falta de limpeza das matas, e as difíceis condições de acesso, para além dos guardas florestais e cantoneiros que se foram, como sinais de um pesadelo florestal. Seria bom perspectivar o futuro, incentivando os produtores individuais e associativos. Quando tocam as sirenes, os bombeiros estão sempre na linha da frente, com o lema vida por vida; daí que, bem apetrechados e comandados, são insubstituíveis nesta luta sem tréguas, em colaboração com outras autoridades e entidades, responsáveis pela nossa sustentabilidade ambiental, para que as nossas florestas não fiquem mais enegrecidas e não se percam vidas humanas nas cinzas. Há males evitáveis e a prevenir.

Se Jesus sentiu pavor e angústia, onde está (o que faz) Deus, diante do sofrimento humano (inocente) e nas catástrofes? A desgraça tem mil e um rostos, mas quando nos atinge é única, como a Cruz de Cristo, e Deus pode parecer-nos silencioso. É a grande pergunta de Job, no seu sofrimento. Jesus fez-Se presente aos feridos da vida com os Seus gestos e palavras. As pessoas, amparadas, levantam-se contra o sofrimento. O Cardeal Veuillot, Arcebispo de Paris, que padeceu de cancro, deixou este recado: Sabemos dizer palavras formosas para falar do sofrimento. Eu próprio dediquei-lhe palavras calorosas. Dizei aos sacerdotes que não digam nada dele: ignoramos o que é, chorei por isso. De nada valem palavras vãs ou abstractas.

Às famílias destroçadas, um abraço de muita coragem, nesta grande dor. Valeis muito mais do que todos os passarinhos, que deixaram de cantar nestes dias negros. Mas, até quando andarei angustiado, com o coração apertado todo o dia?

Ao chegarmos daquelas terras em cinzas, encontrámos caídos dois passarinhos, próximos do refeitório e da casa-mãe...

Padre Manuel Mendes