Pão de Vida
Anda prà frente, confia!
Com inteira justiça, ainda a tempo de nos congratularmos com um velhinho jornal católico, da Diocese de Coimbra. Na verdade, na sequência de uma Provisão do Bispo D. Manuel Luís Coelho da Silva, a 29 de Junho de 1916, em que fundou a Liga da Boa Imprensa, para divulgar principalmente publicações de defesa e propaganda católica, então a 5 de Novembro o jornal O Amigo do Povo iniciou a sua publicação, em circunstâncias muito difíceis para a Igreja. O bem que esta folha (grande jornal!) tem espalhado muitas pessoas o testemunham e só Deus sabe!
Esta memória tão grata vem a propósito de um testemunho de inquietação sacerdotal que desafiámos a ser deixado no papel. Na celebração das Bodas de Ouro presbiterais do Padre Manuel Ventura Pinho, em Julho de 2016, um legítimo pedido nosso foi bem acolhido e registado pelo Padre Adriano Santo, com a recordação de Padre Américo bem viva no seu coração. Estes dois pastores estão ligados à história do órgão de comunicação social cujo percurso centenário realçamos, enaltecendo a sua missão. Ad multos annos! A acompanhar o depoimento que transcrevemos veio um cartãozinho simpático de Chão de Couce, com um abraço amigo: No nosso encontro em Ansião, foi-me pedido que escrevesse algo sobre o meu relacionamento com o Padre Américo. Puxei pela memória e escrevi o texto que junto envio e poderás usar para o que quiseres. Estas palavras escritas dizem muito sobre a amizade sacerdotal e o amor à Igreja. Aqui ficam, sob este título Padre Américo - como eu o conheci e ele me apoiou:
O Padre Américo - de seu nome completo Américo Monteiro de Aguiar - foi um homem carismático marcado pela fé e por um amor profundo.
Após uma vida ocupada no comércio e depois numa empresa inglesa em Moçambique, ele procurou outro rumo mais feliz ingressando no Seminário de Coimbra, aos 38 anos de idade. "Não era tarde nem cedo: era a hora", escreveria ele. Ordenado sacerdote em Coimbra, em 1929, disse ao seu Bispo que... "não sabendo fazer mais nada, desejaria agora ocupar-se e ajudar famílias pobres e crianças da rua". O Prelado aceitou e assim começou o seu trabalho. A partir daí foi surgindo aos poucos toda a sua Obra: foram as Colónias de férias para crianças da rua, as Casas do Gaiato em Portugal, Angola e Moçambique, o Calvário - Obra para doentes incuráveis - e o Património dos Pobres - movimento para construção de casas para famílias carenciadas, etc.
Padre Américo terminou o seu trabalho - que outros agora continuam - em 16 de Julho de 1956, há 60 anos, com a sua morte em acidente de viação nos arredores do Porto.
Homem de Deus e dos homens, ele é venerado pelo povo como o "Santo Padre Américo".
Eu conheci o Padre Américo. As minhas primeiras recordações são do tempo de seminarista, primeiramente no Seminário da Figueira da Foz e depois no de Coimbra. Ele visitava-nos e falava-nos aparecendo como um homem sereno, interiorizado, um pouco sofrido, com semblante de profeta.
A sua palavra vinha-lhe do coração, cativava e entusiasmava. Era para nós jovens uma presença agradável e estimulante. A sua imagem ficou no meu espírito e já então, na década de quarenta, não perdia a leitura das suas crónicas semanais "Sopa dos Pobres", publicadas no Correio de Coimbra e, depois, n`O Gaiato, que assino desde o primeiro número (Março de 1943). O que escrevia refletia uma grande alma. Como ele mesmo afirmou "o escritor não diz só o que escreve, diz, também, o que é".
Mais tarde, em 1951, no meu primeiro ano de sacerdócio, encontrámo-nos na Igreja de Santa Cruz de Coimbra, onde eu era colaborador do pároco. Ali veio um dia celebrar a Eucaristia e falando connosco referiu-se, com entusiasmo, ao Cónego Júlio António dos Santos, que se notabilizou nesta paróquia pela sua acção apostólica pelos pobres, usando esta bonita expressão: "Celebrei agora por alma do Cónego Júlio. Esta Missa foi um momento de encontro e um grande gozo para mim..."
A última relação com o Padre Américo foi em 1956, pouco antes da sua morte. Estando eu pároco de Vila Verde, nos arredores da Figueira da Foz, comunidade com graves problemas sociais, promovi, acompanhado com um grupo de amigos, a construção de um conjunto de casas para famílias carenciadas. Na altura estava em alta a obra do Património dos Pobres, criada pela Obra da Rua. Então, o Padre Américo convidava os párocos para esta iniciativa que daria resposta aos problemas dos mais desafortunados. E dizia: "quando cada casa estiver erguida, com o telhado em cima, eu garanto cinco contos" e repetia muitas vezes; "cada freguesia cuide dos seus pobres".
Na oportunidade, aflito para pagar as obras, puxei de uma carta e escrevi ao Padre Américo dando-lhe conta dos nossos problemas. Fundamentado no seu bom coração e nas suas promessas, ousei pedir-lhe também a tal verba para ajuda de duas casas. Curiosamente cada casa ficava, ao tempo, em pouco mais de vinte contos. Padre Américo não se fez rogado e rapidamente respondeu com uma linda carta que não tenho guardada mas que ainda tenho bem presente na memória. Com a sua saudação amiga começa por fazer graça a propósito do meu nome e acrescentava: "como sabes eu costumo dar para as casas do Património cinco contos quando elas estão com o telhado. É uma ajuda modesta, mas o resto é com eles. A ti, como és padre jovem, envio-te sete contos e meio, isto é, duas casas, quinze contos! Toma lá e anda para a frente, confia! Deus não te vai faltar". Que delicadeza! Que bonito estímulo a um jovem padre!
O Padre Américo! Agora que o seu Processo de Beatificação pela Igreja está em curso, tenho a sua presença cada vez mais viva no meu espírito e sinto muito próxima a sua ajuda.
19/XII/2016, Padre Adriano Simões Santo.
Foi um lindo e concreto estímulo que deu a este jovem Padre da sua Diocese de Coimbra, ordenado em Agosto de 1950 e que já passou dos noventa! Não se perdeu, felizmente, mais esta revelação para ajudar a um retrato do Recoveiro dos Pobres, que deixou rasto feliz no Caminho do Mestre.
Padre Manuel Mendes