PÃO DE VIDA

Um testemunho franciscano

Na personalidade rica e multifacetada do Servo de Deus Padre Américo, tem lugar uma abordagem da sua perspectiva franciscana (já explorada), pois é um filão biográfico muito interessante para se compreender melhor a profundidade da sua vida, espiritualidade e Obra.

A missionação franciscana em Moçambique marcou-o positivamente e o acompanhamento espiritual do franciscano D. Rafael da Assunção (especialmente em 1922) foram decisivos na sua viragem geográfica, da Costa Oriental de África para a Galiza, onde foi admitido (em Outubro de 1923) no Convento franciscano de Vilariño de la Ramallosa, em Tuy. No seu itinerário vocacional, podem encontrar-se assim vários lugares e momentos de aproximação aos franciscanos, e depois mergulho na própria Ordem dos Frades Menores que admirava. É notório que transparecem sinais eloquentes de inspiração na vida do Santo de Assis, conforme testemunhou e sintetizou o Padre Alexandre dos Santos, que o conheceu em Tuy: Fr. Américo era um S. Francisco por vocação. Chegou a tomar hábito franciscano, a 14 de Agosto de 1924, acontecimento comprovado por um documento fotográfico coevo e autêntico (conservado no seu Memorial),assinado pela sua própria pena — Fr. Américo. Sendo um perseguido pela Graça e um grande apaixonado por Jesus, foi um verdadeiro devoto do Pobrezinho. Daí que seja possível apelidá-lo de autêntico frade menor, fora do convento.

Em Outubro deste ano, no centenário do regresso dos franciscanos à Diocese conimbricense, depois da extinção das Ordens Religiosas, tivemos a grata oportunidade de recolher um testemunho do próprio punho de Frei Manuel Marques Novo, um ancião franciscano, com 91 anos (em 19 de Novembro), natural de Leiria (Caranguejeira), ora residente na Fraternidade dos Santos Mártires de Marrocos e do Beato João Duns Escoto, à Avenida Dias da Silva, na Cumeada, em Coimbra. Reporta-se este escrito significativo a uma dimensão fundamental da vida cristã - o sacramento da Reconciliação. A velha e fecunda amizade com os franciscanos permitia-lhe procurar com alegria os frades menores para esta segunda tábua de salvação depois do Baptismo. Aliás, a disponibilidade permanente para o atendimento de Confissão e a direcção espiritual são peculiares na missão franciscana, como valioso serviço à Igreja e ao mundo.

Eis, pois, um testemunho franciscano, simples e belo, datado de 23 de Outubro de 2017, para nossa meditação:

Sou um sacerdote franciscano e vivi durante muitos anos no nosso convento e igreja de Nossa Senhora dos Anjos, no Porto. Há dias, em conversa informal com o Vice-Postulador da Causa de Beatificação do Padre Américo, este perguntou-me se cheguei a conhecer o Pai Américo. Sim, cheguei e certamente o ouvira de Confissão, se não a última, uma das últimas confissões da sua vida. E insistiu comigo para pôr por escrito quanto lhe acabara de relatar.

Recordo-me muito bem do facto, porque um mês ou mês e meio depois disso, sofreria ele o acidente que o levou ao Hospital de Santo António, onde viria a falecer no dia 16 de Julho de 1956, dia de Nossa Senhora do Carmo. E recordo-me porque este encontro com ele foi, de certeza, na oitava depois da festa de Pentecostes. Naquela altura a Liturgia da Missa ainda era em latim e a Sequência própria da Missa do Pentecostes, em latim, era rezada durante todas as Missas que ocorriam dentro da oitava.

Guardei sempre na minha memória essa Confissão, não por causa das faltas ou imperfeições que o penitente confessou. Dessas, evidentemente, nada lembro... Mas recordo que fez citações, referências e alusões naturais e simples à dita Sequência. Se hoje lermos ou rezarmos esta Sequência, lá encontramos muitas expressões com fácil aplicação à nossa vida de piedade e espiritualidade.

Importa lembrar que o Pentecostes nesse ano de 1956 se celebrou no dia 20 de Maio, data relativamente próxima do dia do seu acidente e falecimento. Digo que foi uma das últimas, se não a última Confissão, porque, naquele tempo, muito se recomendava às pessoas consagradas ou que queriam viver uma certa espiritualidade, que se aproximassem do Sacramento da Penitência todos os oito ou quinze dias, ou, pelo menos um mês. Por isso estou convencido que a Confissão feita pelo Padre Américo na semana depois do Pentecostes, entre 21 a 26 de Maio de 1956, não teria sido a última, mas simplesmente uma das últimas. Piedoso e profundamente espiritual na sua vida, com certeza ter-se-ia confessado mais algumas vezes entre o dia 26 de Maio (último dia da Oitava do Pentecostes de 1956) e o dia do acidente e falecimento (em 16 de Julho).

Sendo o Padre Américo uma alma profundamente franciscana, termino este pobre testemunho com as palavras com que termina cada capítulo das Florinhas de S. Francisco: À honra de Cristo, ou À glória de Cristo, Amen.

Da Sequência, citada, fica aqui este naco apropriado: Vinde, Pai do pobres:/ na dor e aflições,/ vinde encher de gozo/ os nossos corações. E outro de que se lembra bem ainda, desse encontro, o virtuoso sacerdote: Lavai nossas manchas,/ a aridez regai,/ sarai os enfermos/ e a todos salvai.

Foi recolhida assim, a tempo, uma recordação marcante antes da partida do Padre Américo para o Céu, que aconteceu há 61 anos. Na verdade, é interpelante verificar como dedicava na sua vida espiritual especial atenção à Penitência. Como Pai, recomendou-a com ardor aos seus filhos, conforme deixou bem vincado no seu Testamento: A vida religiosa nas nossas comunidades seja o centro. [...] A Missa dominical. O ensino da doutrina cristã. A prática das orações quotidianas. Os Sacramentos: Pôr-lhes a mesa, chamá-los ao banquete e chorar se eles não quiserem vir. Chorar os nossos pecados.

Padre Manuel Mendes