PÃO DE VIDA

Amigos franciscanos

Em 23 de Novembro, o Papa Francisco desafiou os Franciscanos a que colaborem com todas as iniciativas em prol do cuidado da Casa comum e recordou a relação estreita entre os pobres e a fragilidade do planeta, entre economia, desenvolvimento, cuidado da criação e opção pelos pobres. Evocando um gesto que marcou a vida de S. Francisco de Assis, ao descobrir que Deus é misericórdia, apelou assim: Abri os vossos corações e abraçai os leprosos do nosso tempo.

O Relatório das perseguições religiosas no mundo é assustador e questiona-nos seriamente. Também na velha Europa, a voz da Igreja e a preferência pelos mais pobres é motivo de perseguições subliminares e até declaradas. Veja-se o incómodo que tem causado uma Cruz na estátua de S. João Paulo II, em França (Ploermel), por violar uma lei de 1905, ofendendo assim o laicismo francês.

Redigimos esta pobre nota franciscana no novo Hospital Pediátrico de Coimbra, com meninos feridos e bem curados, pois o Divino veio do sul para ser sujeito a uma cirurgia em Otorrinolaringologia e continua a ser por nós acompanhado...

A Ordem Franciscana chegou a Portugal há 800 anos. Entretanto, também se acolheram no Ermitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Esta evocação histórica do oitavo centenário de presença e missionação franciscana significa realmente muito para a história da Igreja em Portugal, e é uma forte interpelação espiritual e vocacional, sabendo ler os sinais dos tempos.

Em Outubro deste ano (2017), celebrou-se o Centenário do regresso dos Franciscanos (da Ordem dos Frades Menores) a Coimbra, depois da extinção das Ordens Religiosas em Portugal, de cujo relatório do Ministro respectivo, de 30 de Maio de 1834, citamos isto: A existência das Ordens Religiosas não se combina com as máximas duma sã política, e é destrutiva dos fundamentos da prosperidade pública. Porém, foi uma grave perda cultural e espiritual, pela destruição que aconteceu e cujos efeitos deixaram marcas profundas na sociedade e na Igreja.

Ao olhar para tantos meninos e meninas (como o Menino Jesus!) a serem cuidados com sabedoria e carinho, será melhor lembrar alguns franciscanos que se cruzaram com Padre Américo na cidade dos doutores, que o seu curso de Caridade não foi tirado na vetusta Universidade de Coimbra, mas com os últimos - os pobres - nos tugúrios, nas ruas, nos hospitais, nas cadeias...

Foi no tempo do Bispo de Coimbra D. Manuel Luís Coelho da Silva (1915-1936) que insistiu com empenho no regresso dos franciscanos a Coimbra, como o seu antecessor D. Manuel Correia de Bastos Pina (1872-1913). Os Superiores da Província Franciscana Portuguesa decidiram, então, abrir residência nesta cidade e vieram o Padre Fr. Ambrósio Correia (Manuel Alves Correia) e Fr. Luís da Cruz, começando pelo primeiro nos finais de Outubro de 1917, que ficou hospedado no Seminário Episcopal de Coimbra. Depois, seguiram ambos para uma casa na travessa do Cabido (n.º 2), e exerciam o seu ministério na Igreja de S. Salvador, celebrando, confessando e pregando.

Assim, é nosso intuito, em breves traços, dizer de alguns encontros de franciscanos (que passaram por Coimbra) com Frei Américo e Padre Américo, a saber: Padre Fr. Manuel Alves Correia, Padre Fr. Inocêncio do Nascimento, Fr. Manuel Marinho e Padre Fr. José David Antunes.

O Padre Fr. Manuel Alves Correia (Aguiar de Sousa - Paredes, 6-IX-1881; Lisboa, 23-XI-1948) ensinou em 1915-1916 no Convento de Vilariño de la Ramallosa e depois passou a residir em Coimbra. De 1921 a 1924, esteve no Colégio de Santo António, em Tuy, como Director e Professor. É nesse tempo (Setembro de 1923) que Américo de Aguiar, tocado pelas marteladas da Graça, falou com este sábio franciscano e ficou impressionado com a sua vasta cultura, porém tinha os pés descalços nas sandálias, segundo o testemunho do Padre Alexandre dos Santos. O próprio confessou: O que ali sofri não se pode explicar. Assaltava-me a ideia de que estava doido e por doidos tomei todos os frades, quando os vi na Capela prostrados, a orar. Para quê, e a quem, perguntava-
-me eu!

O Padre Fr. Inocêncio do Nascimento (Tinhela - Valpaços, 18-XII-1877; Lisboa, 5-III-1936), por informação do sábio franciscano Padre Henrique Rema, foi Presidente da nossa residência em Coimbra (perto da Sé Velha) no triénio 1924-1927, quando era Custódio. O exemplo da sua vida, feita de austeridade bondosa, cativava os corações. Foi em Setembro de 1925 que Américo Monteiro de Aguiar pediu a admissão no Seminário de Coimbra, como confirmou o franciscano D. Rafael da Assunção: D. Manuel Luís Coelho da Silva, embora com fama de rigoroso e muito exigente, recebeu-o no Seminário, com singular recomendação do franciscano Padre Inocêncio do Nascimento, cujas qualidades o Sr. Bispo muito apreciava.

Fr. Manuel Marinho (Beiral de Lima - Ponte de Lima, 10-VII-1900; Montariol - Braga, 21-IX-1997), ainda com a ajuda preciosa de Padre Rema, foi um santo e operoso irmão leigo, que tomou o hábito a 14 de Agosto de 1923, e em passagem por Coimbra teve muitos encontros com o Padre Américo de Aguiar, que fora seu companheiro de noviciado, em 1925, em Vilarinho da Ramalhosa e criara a Obra do Gaiato [Obra da Rua]. Fora sempre um autêntico modelo de franciscano alegre, irradiante de paz e serenidade, amigo de Deus e dos seus irmãos.

O Padre Fr. José David Antunes Gonçalves (Leiria, 5-IX-1916), continuando com as notas de Padre Rema, depois de ordenado Presbítero (25-VII-1939), prestou serviço em várias casas da Província. Traduziu alguns livros do italiano para português. No Colégio de Montariol foi professor de desenho e ali tem desempenhado certa actividade na arte da pintura. Escutámos do próprio, em Montariol, estando ele em Coimbra, que o Padre Américo (esse gigante!) lhe pediu para fazer a capa do seu livro Obra da Rua (1.ª ed., 1942), cuja gravura é o desenho do Quim-mau, assinando assim: OFM [Ordem dos Frades Menores]. Quando completou 100 anos de idade, foi-lhe prestada grata homenagem que testemunhámos.

O nosso amigo franciscano Padre Rema, nas missivas que nos enviou, com desejo de servir e votos de paz e bem, rematou assim: O nome do Padre Américo era por demais conhecido e apreciado pelos franciscanos da época. Na verdade, as suas virtudes e fama de santidade têm, pois, o selo de S. Francisco e de franciscanos amigos, conforme escreveu: Sinto desejos de ser Francisco de Assis, para abraçar este espaço imenso de luz e de vida, desprendido como o Pobrezinho, de tudo quanto possa ligar a gente às ninharias do mundo.

Padre Manuel Mendes