PÃO DE VIDA

[Jo 12,32]

No dia 13 de Março de 2013, há 5 anos, foi eleito o Papa Francisco, proveniente da Argentina, vindo do fim do mundo, dos bairros de lata das cidades latino-americanas, cujas misérias e injustiças trouxe para o seu ministério petrino. Em voz baixa, o Cardeal Hummes, sussurrou-lhe assim: - Não te esqueças dos pobres. É claro que, então, disse bem alto: Sonho com uma Igreja pobre e para os pobres. O nome escolhido, do Pobrezinho de Assis, na tradição judaico-cristã, foi logo sinal de proximidade aos pobres. Cada olhar, gesto e decisão seus têm sido, pois, inspirados pelas periferias, começando logo por ir com as suas sandálias de pescador a Lampedusa, para estar próximo da grande tragédia das migrações, daqueles que são torturados, perseguidos e vão fugindo das guerras terríveis, do sofrimento causado pelos gananciosos e fanáticos - do abismo do pecado do mundo. Na linha dos seus predecessores, deu um dinamismo próprio de uma Igreja em saída, ao encontro daqueles que se encontram nas margens dos caminhos - coxos, cegos, aleijados, mudos e muitos outros. À incultura do descartável, vai contrapondo o essencial da mensagem do Evangelho: a compaixão e a esperança de Jesus Cristo por todas as misérias da vida humana, conforme o seu lema — a misericórdia!

No nosso itinerário quaresmal, vem a propósito outro justo apontamento à luz da rocha sobre a qual assenta a nossa fé e a esperança cristãs: a Ressurreição de Jesus! E temos assim para transmitir, nesta coluna viva, mais um exemplo feliz de um amigo artista do Padre Américo que partiu para a glória do Senhor, no dia 12 de Fevereiro, no Centro de Acolhimento O Poverello, dos Franciscanos, em Montariol — Braga. De seu nome Padre Fr. José David Antunes Gonçalves, de quem já demos outras notícias. Desta feita, depois de vária correspondência trocada em que nos deu lembranças vivas de Frei/Padre Américo, de felicitarmos pessoalmente este frade menor amigo e de participarmos numa Celebração Eucarística festiva em 2016, no seu centenário, vivo neste mundo, no Convento Franciscano de Montariol, ainda pudemos no dia 5 de Dezembro chegar ao seu olhar, na sua enfermaria, tão bem cuidado, quando fomos também por essas terras mercar uma sineta. Entretanto, ao aproximar-se daquela hora, veio-nos à baila um livrinho interessante de Antero de Figueiredo, vindo a lume em 1929, intitulado O último olhar de Jesus, no qual vem isto para nosso entendimento: Como Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o artista religioso precisa de criar a sua obra material com o próprio barro espiritual em que ele, antes, se modelou a si: — edificar-se uma alma justa senão uma alma santa. Foi assim mesmo também este nosso amigo franciscano, autor do célebre Rosto de Cristo, a lápis de carvão, criado no seu tempo de Professor de Educação Visual em Montariol e que tem percorrido o mundo, do qual disse: Uma divisão central com os olhos [de Jesus] a exercerem esse fascínio. Na sua legenda biográfica, vem que nasceu para a terra na cidade de Leiria, em 5 de Setembro de 1916, filho de José David Gonçalves e Maria de Jesus Antunes. Sendo seu pai benfeitor da Ordem Franciscana, foi encaminhado com 10 anos para Tuy. A sua profissão solene (perpétua) foi em 1 de Janeiro de 1938 e foi ordenado Presbítero em 25 de Julho de 1939. Acontece que, entretanto, Padre Américo lhe pediu para fazer a capa da 1.ª edição do seu livro Obra da Rua, na qual esse Padre artista estilizou a fotografia do Quim-mau - símbolo da Obra da Rua, assinando OFM. Pode-se dizer dele o que Padre Américo sentenciou do seu condiscípulo Padre Augusto Nunes Pereira, também incentivado pelo seu Bispo: Pode-se ser padre e artista. O Padre David Antunes, conforme disse, foi andando de um lado para o outro, à mercê da divina Providência, prestando serviço em várias casas franciscanas e traduzindo vários livros, v.g: Ele — Narrativas sobre a vida de Jesus Cristo (1952) e, Bernardino de Sena - O Santo e o humanista (1992), ambos de Piero Bargellini; Silêncio, de Shusako Endo (1990), Francisco de Assis - Itinerário espiritual: Problemas e perspectivas, de Javier Garrido (2008). Irradiou alegria franciscana e bom humor a todos quantos dele se aproximavam, e tinha outra qualidade: o dom da admiração! Admirado terá ficado Padre Américo de o encontrar tão depressa, com 101 anos, na pátria celeste, embora já não se vissem desde 1956!... Mil anos a vossos olhos, Senhor, são como o dia de ontem que passou!

Nesta memória eclesial e pascal, com o perfume do Ressuscitado, deixamos um belo escrito que este bom amigo franciscano deu a conhecer com tempo para a sua pagela: Falecerá a seu tempo quando aprouver ao Senhor chamá-lo./ Antecipo-me ao panegirista de turno para dizer de mim mesmo o que verdadeiramente importa e ele ignora ou, não ignorando, não teria a coragem de testemunhar:/ É que não haverá, à face da terra, outro pródigo mais carecido da comiseração do Pai, nem que mais tenha ansiado pelo Seu abraço./ Agora que já nada me distingue do nada, reduzido em breve ao pó donde vim, os olhos ainda rasos de água pelo dó que sempre tive de mim próprio e pela saudade de quantos vou deixar, a todos rogo com humildade que façam violência ao céu pedindo pelo meu eterno descanso./ E esta seja a minha última súplica:/ Para Ti me volto, meu Deus, por Ti clamo, pois sei que estás particularmente perto dos que Te tratam por Pai e Te amam sinceramente, apesar de pecadores. Talvez não tenhas maior alegria (se assim me permites exprimir), do que consolar os filhos que Te procuram em sua pobreza, de mãos vazias, sem nada mais além duma total confiança na Tua Bondade. Salva-me, Pai, aceita-me, apesar de tudo! Santa Mãe de Jesus, Senhora minha e minha Mãe, vem ao meu encontro! Pai São Francisco, protege-me, sou teu filho!/ Frei José David Antunes Gonçalves (Nas vésperas do fim.).

Jesus foi levantado da terra na Cruz e ressuscitou verdadeiramente, pelo testemunho e pelos frutos que acontecem na vida daqueles que acreditam que o Senhor está vivo. Feliz Páscoa da Ressurreição! Aleluia!

Padre Manuel Mendes