PÃO DE VIDA
Obra da Rua - 82 anos!
A primeira Casa do Gaiato veio, depois, a receber o nome da cidade do rio Mondego. De Coimbra, dos poetas e doutores, frades e monges que padeceram em 1834. É bem notório o importante mosteiro de Santa Cruz, com riquíssimo espólio espiritual e cultural, ligado a S. Teotónio e às relíquias dos Mártires de Marrocos, no qual foram tumulados o 1.º Rei de Portugal e o Povoador; e onde Cónegos Regrantes receberam Fernando Martins [Santo António], que depois subiu para os Olivais, apaixonado pelo Pobrezinho de Assis.
Padre Américo deu à Obra a máxima objectividade, educando a criança como ela deveria sê-lo em sua casa, no seu meio, dentro das possibilidades da família. Assim, foi acolhendo garotos das ruas de Coimbra e também vadios das feiras, afeitos a dormir em palheiros: - sou filho das tristes ervas, tenho andado ao deus-dará.
De muitos episódios da rapaziada no seu à vontade, eis alguns: Todos nós, os que somos filhos do trabalho dos campos, fazíamos a mesma coisa em pequenos, na casa dos nossos pais. E como tínhamos irmãos traquinas ou éramo-lo nós mesmos, também os há na Casa do Gaiato, para ser em tudo casa de família: um dos da capoeira, para contar travessuras somente desta secção, arrigou toda a plumagem dum galo de raça e sorriscou, duma vez, a coelheira, onde estavam coelhos nascidos ontem, que morreram todos! [...] Há um que finge com muita graça as vozes dos animais e não poucas vezes sucede enxotar a Regente de debaixo das mesas, cana na mão, o gato ou o cão da casa: e não é o gato que mia nem cão que ladra, mas sim o garoto que brinca! [Obra da Rua, p. 46-50].
O seu desejo de ser frade menor, renovado após a ordenação, acabou por ser trocado pela paternidade sacerdotal, pois o seu Bispo deu-lhe licença para ser esmoler dos pobres e pai dos gaiatos das ruas, como confessou: Sentado à sombra de uma oliveira, na orla da Casa do Gaiato, respira a gente, ao fazer desta, do ar perfumado do tempo; ouve o cantar dos passarinhos; e sente na alma a riqueza espiritual de uma Paz duradoira, reflexo da imutabilidade de Deus. Em baixo, os três mais pequeninos, por não terem obrigação, colhem papoilas nos campos: - Pai Meco, olhe! [Pão dos Pobres, IV, 1984, p. 24].
A ocupação diária passou a ser uma matriz na vida comunitária, sendo certo que o trabalho é o remédio eficaz contra a miséria. De muitos, eis um caso: O Luciano, sem casa nem família, é de Coimbra. Inteligente, simpático, qualidades estas altamente perigosas, anda na companhia de larápios e tem no activo numerosos furtos. Foi dar a Miranda. Encontrou-se feliz desde a primeira hora. Dá serventia a pedreiros, nas obras da nossa capela. Alguém pergunta-lhe se está contente e o que pensa fazer: tem, no momento à cabeça, uma tábua de cal. - Ando a ver se me venço [O Gaiato, n. 8, 11 Junho 1944].
Sendo fundamental a vida espiritual na Obra da Rua, sublinhou: A necessidade da educação religiosa não se discute, ela é fonte de vida. Casa-se com as possibilidades espirituais de que o garoto é portador; ele é comparticipante da natureza de Deus, capaz de amar e de conhecer o belo, o justo, o verdadeiro [O Gaiato, n. 6, 14 Maio 1944]. E mais: A oração em comunidade é presidida pelo garoto da semana, tanto à mesa como nas camaratas, ao deitar e ao levantar. As em particular são feitas por cada um, a seu talante [Obra da Rua, p. 52].
Como bola de neve, foi rolando a vida cheia desta nova Casa de família para os gaiatos das ruas. Os pedidos de acolhimento aumentavam sobremaneira, pelo que teve de alargar os seus horizontes e os seus olhos pousaram no Vale do Sousa, de fundas raízes e ramos genealógicos. Deixou, então, de residir na Diocese de Coimbra, onde viveu de 1925 [entrada no Seminário] a 1943, mais de 17 anos. Assim, nesse ano, instalou a Casa do Gaiato das Ruas do Porto no antigo mosteiro (e cerca) beneditino de Paço de Sousa e mandou construir em granito a linda Aldeia do Gaiato. Na Capela desta Casa [desde 1961], sede da Obra da Rua, encontra-se a campa rasa do Venerável Padre Américo [1887†1956], repousando dos seus muitos trabalhos, de amor a Deus e ao próximo, que se foram estendendo por Portugal inteiro e além-mar. Por coincidência feliz, as iniciais do seu nome - Américo Monteiro de Aguiar - foram a síntese da sua vida: AMA!
Dos Natais felizes da sua infância de família numerosa, em Galegos, aos Natais de inúmeros pobres dos quais se aproximou e cuidou, Pai Américo foi ajudando a iluminar muitas estrelas na escuridão, pois viu e seguiu a Estrela de Belém - o Menino Jesus. Este feixe de luz dos primórdios, ao jeito de Nazaré, continuou após o seu dies natalis. O Natal é sempre de Jesus, de todos os meninos e meninas, que vêem ou não a luz. Nos caminhos humanos, Jesus é o Caminho e a Luz do mundo!
Padre Manuel Mendes