PÃO DE VIDA

«O próprio Jesus aproximou-Se deles

e pôs-Se com eles a caminho.»

[Lc 24, 15]

Algumas notícias com sinal extremamente negativo deste mundo global destacaram-se recentemente, entre uma imensidão das que surgem nos meios de comunicação social e nas redes sociais, como a seca em Portugal, a tensão entre a Rússia e a Ucrânia, os perigos do uso dos meios digitais.

Ao cair de uma tarde gélida, a sineta e o lume tinham mais uma vez chamado para o necessário tempo de pausa e oração simples desta comunidade, que é um reflexo evidente do acolhimento resultante das migrações de África, outrora com bandeira portuguesa. Foi pertinente abordar breves notas sobre o ambiente digital, pela sua actualidade e implicações nos mais novos com quem vivemos e comemos à mesa - crianças, adolescentes e jovens - muito expostos a esta revolução tecnológica e cultural em velocidade alucinante, por via de novas comunicações. As dificuldades resultantes da pandemia de covid-19 obrigaram-nos a mais cuidados de saúde e a melhorias informáticas para o acompanhamento em casa das aulas à distância, sem aulas presenciais, e mais estudo via digital.

No século XXI, o homo sapiens vai-se convertendo a olhos vistos em homo digitalis, pois da vida da maioria das pessoas faz parte a utilização de telemóveis, computadores, internet, redes sociais, etc. Surgiu uma nova linguagem codificada para SMS [short message service - serviço de mensagens curtas], e-mail [correio electrónico] e chat [aplicações de conversação]. Um dos desafios actuais dos mais novos - geração do polegar ou geração das teclas - prende-se evidentemente com a cultura digital, que se tornou o seu ambiente por assim dizer natural. Isto tem muito significado para os educadores, pois tem obrigado a uma aprendizagem exigente para um novo modo de ser e estar neste mundo complexo com mais necessidades de comunicação. É possível educar os mais novos para o bom uso das novas tecnologias? O controlo parental neste âmbito tem enorme importância, esclarecendo os conteúdos - positivos ou prejudiciais para si e para os outros. Feliz o homem a quem vós ensinais, Senhor [Sl 94,12].

Convém dizer, desde já, que a Convenção sobre os Direitos da Criança [20-XI-1989] considera como criança todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo. No que ouvimos e lemos, a adolescência foi-se tornando uma banda cinzenta, pois os termos parecem reduzir-se a crianças e jovens... No quotidiano dos que nos são confiados - nos domínios hospitalar, escolar e legal - verifica-se que vão deixando de ser crianças na maioridade... Recorde-se que, no esquema de Hipócrates, a adolescência corresponde à terceira infância, dominada pela puberdade (diferente no rapaz e na rapariga) e precedendo a juventude. Certo é que a adolescência é esta hora intermédia entre a primavera e o estio [Paul Claudel].

Na sociedade ocidental actual, em que há um prolongamento artificial da juventude, ser jovem parece que não é tanto uma situação biológica, psicológica ou legal, mas sobretudo uma situação social com contornos imprecisos. Considerando que na sociedade pós-moderna se manifesta uma cultura líquida [segundo o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, 19-XI-1925 - 9-I-2017], como o líquido que adopta diversas formas segundo os recipientes, esta tendência implica uma fragmentação das vidas humanas e a precariedade dos vínculos. São características de uma sociedade individualista, marcada por relações transitórias e pelo relativismo, sem Deus no caminho e no horizonte da existência humana.

Então, para além dos ciberataques a várias empresas, eis duas notícias no âmbito digital, com ondas de preocupação: Um jovem de 18 anos suspeito de planear um ataque terrorista na Faculdade de Ciências de Lisboa. O vício dos jogos online é cada vez mais frequente em crianças e jovens, num reflexo das alterações que estão a acontecer na própria sociedade, agravadas pela pandemia de covid-19.

Sobre este alerta na saúde mental dos mais novos (e adultos), verifica-se que: Seis em cada dez adolescentes jogam jogos electrónicos em dia de escola e sete em cada dez jogam em dias que não são de aulas. A maioria dos jovens usa a internet por diversão, o que inclui frequentar as redes sociais, jogar, falar em chats e ouvir música. Os pedidos de ajuda a serviços de psicologia e pedopsiquiatria não param de crescer. De facto, no novo mundo dos mais novos passam os jogos on-line, as séries, os canais de streaming [fluxo contínuo de dados - YouTube, etc.] e as redes sociais [Facebook, Twitter, Instagram, etc.].

Padre Manuel Mendes