PÃO DE VIDA

Da Sopa dos Pobres

Antes de continuarmos com mais notícias dos primórdios da Sopa dos Pobres em Coimbra, nesta questão da assistência alimentar aos pobres, são de mencionar as chamadas Cozinhas Económicas, queforam uma iniciativa social de distribuição de refeições para pobres que remonta a 1893 em Lisboa e na qual se empenhou D. Maria Luísa de Sousa Holstein [1841†1909], Duquesa de Palmela, escultora e empreendedora de obras sociais, com mãos hábeis de artista e que «não se dedignava de tomar ela própria a sua parte no serviço das mesas a que se sentavam os humildes filhos do povo» [Arcebispo de Évora - Augusto [Eduardo Nunes] - A Mãe dos Pobres: Oração funebre. Lx.ª, 1910, p.24]. A sua máxima seria: «O supérfluo dos ricos é património dos pobres» [Santo Agostinho]. As suas origens devem-se «às conhecidas Sopa dos Pobres, que durante séculos garantiram o fornecimento de refeições aos mais pobres por toda a Europa [Ricardo Cordeiro - Filantropia: As Cozinhas económicas de Lisboa (1893-1911). Lx.ª: ISCTE, 2012, p. 34]. A propósito, junto ao antigo mosteiro beneditino de Paço de Sousa, no terreiro de Gamuz, uma entrada da Casa do Gaiato [desde 1943] é conhecida como porta do caldo, servido aos pobres.

Depois do despoletar da grande crise mundial em 1929, nesse contexto económico-social, surgiu a Encíclica Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI [15-V-1931], comemorando 40 anos da Rerum Novarum, na qual foi denunciada «ingentum complectens opificum multitudinem, calamitosa egestate pressa -uma multidão imensa de operários, a gemer na mais calamitosa miséria» [Acta Apostolica Sedis, Romae, vol. XXIII, 1931, p.178].

Nessa época, em Portugal aumentou o desemprego nas zonas rurais, levando a que muitos desempregados se fossem dirigindo para as periferias das cidades, sobretudo a cintura industrial de Lisboa. Em Agosto de 1929, foi lançada a Campanha do trigo, à custa do montado. O Arcebispo de Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos [1876†1955], em missiva de Agosto de 1931 ao Ministro das Finanças, Oliveira Salazar, escreveu assim: depois das colheitas «não tardará que pelos campos e pelas povoações comecem a vaguear às dezenas e às centenas trabalhadores desempregados a pedirem esmola, visto não terem trabalho para ganharem o pão de cada dia» [AN Torre do Tombo - AOS, PC - 11, cx.560, cap.4, fl.45].

Desde o início de 1932, na diocese conimbricense, o jornal Correio de Coimbra foi dando notícias do serviço da Sopa dos Pobres e das ajudas recebidas para minorar carências crescentes de famintos, conforme se verifica [mantendo a grafia]:

«Sopa dos pobrezinhos

No Patronato, Rua da Matematica - 49

Começou a distribuição no dia 1 de Janeiro.

Em todos os dias do mês foram socorridas 21 famílias, mas algumas receberam mais do que uma sopa diária.

Para esta Sopa concorreram com os seus donativos os bemfeitores seguintes:

Senhor Bispo Conde ...... 350$00

D. Amélia Medeiros ...... 100$00

P.e Dr. Joaquim Mendes.. 100$00

Sr. Matos Cabo duas dúzias de pão.

É necessário aumentar o numero das famílias socorridas.

Católicos e não católicos de Coimbra, especialmente da parte Alta da cidade, vinde em auxílio dos pobrezinhos. No Patronato recebem-se para esta Sopa quaisquer donativos em dinheiro e em géneros.» [Correio de Coimbra, N.º 504, 6 Fev. 1932, p. 4]

No final do mês de Fevereiro desse ano, neste assunto, encontra-se outro artigo [não assinado], intitulado:

«Pobresinhos

Cada dia aumenta em volta de nós o triste e confrangedor espectáculo da desgraça que traz a tanto lar a fome, e a doença.

Sobretudo faz pena e comove a sorte daqueles que já tiveram e hoje não teem.

Destes há-os por aí às dezenas, às centenas. E quantos caídos da sua mediana sem culpa?

Sim, estes são os grandes pobres, com direito de justiça ao nosso auxílio.

Que todos aqueles que gosam uma situação material vantajosa ou mesmo remediada pensem, por um momento sequer que seja, numa coisa que bem pode suceder: àmanhã, por fortuito infortúnio, serem despojados de tudo e, no dia seguinte, num pobre casebre, chegar a hora do almoço, de jantar, da ceia, e, na mesa pobrezinha, a escudela tristemente vasia!...

Pois é esta a dura realidade talvez bem perto de nós.

E para coroa de desdita se o braço ainda forte dum pai ou, quando muitas vezes já falta, o esforço amoroso de mãe tentam procurar pelo trabalho, com honra, o sustento material a que teem jus, o trabalho escasseia, o trabalho falta!

Talvez vós, queridos leitores, não conheçais nenhum destes casos, mas conhece-os a Caridade. Conhecem-nos aqueles que vivem com os pobres e para os pobres.

Por hoje queremos apenas chamar a atenção para uma Obra de que já este jornal tem falado: a Sopa dos Pobres que funciona no Patronato da R. da Matemática e que se deve à piedade do nosso grande Prelado.

É preciso que esta Obra se desenvolva.

Em vez de 20 ou 30 sejam 50 ou 100 os socorridos.

Para isso não há de ser encargo de um só.

No mês de janeiro registaram-se já alguns donativos. Bem hajam os generosos benfeitores.

Mas não basta. Urge que todos se interessem e que, com pouco ou muito, se inscrevam como subscritores mensais.

Assegurar-se-hia assim, a uma obra tão altamente simpática uma acção larga.

Que os generosos corações dos habitantes da parte alta de Coimbra, especialmente os católicos, não deixem de ouvir o apelo que a fica.

Desde já se poderão dirigir à Ex.ma Directora do Patronato - Rua da Matemática, 49.» [Correio de Coimbra, N.º 507, 27 Fev. 1932, p.1].

Depois, as notas semanais Sopa dos Pobres passaram a manifestar claramente a marca inconfundível da escrita de Padre Américo, cuja pena foi narrando situações aflitivas de miséria e doenças, para as quais pedia ajudas concretas, como Recoveiro dos pobres, que visitava nos seus tugúrios, com licença do seu Bispo de Coimbra.

Padre Manuel Mendes