PÃO DE VIDA

Da sopa dos Pobres

Noventa anos depois [1932-2022], para que não se perca a memória histórica desta obra de serviço aos pobres, à qual Padre Américo se entregou com alma e coração, entre outras missões, por mandato do seu Bispo de Coimbra, ainda respigámos mais alguns excertos dos seus primeiros tempos, servindo-nos das páginas do Correio de Coimbra, jornal centenário em que foram sendo publicadas notas semanais sobre a sua acção, cujas crónicas são relatos vivos de grandes carências nesse tempo e de ajudas urgentes, nomeadamente alimentares e outras.

Ainda em Março de 1932, encontramos a seguinte nota [não assinada, mas que será do Padre Américo]. Eis [mantendo a grafia]:

«SOPA DOS POBRES NO PATRONATO

Um dos maiores problemas que se põe ao saber dos homens é o da indigência.

Ele tem resistido, insoluvel, a todas as leis de repressão, asilos de agasalho e medidas de boa vontade.

Por toda a parte e em todos os tempos tem havido sempre mãos importunas que pedem nas ruas ou que esperam esmolas dentro das pobres casas.

Nem a América milionária, nem a filantropica Inglaterra, nem a Russia salvadora, nem mesmo essas obras gigantescas da caridade, filhas da Igreja Católica, - nada resolve o problema.

Nenhuma força humana é capaz de destruir duma vez para sempre est´outra força terrível, que se chama pobresa.

É necessário subir muito alto, chegar à luz do Evangelho, para bem compreender todo o significado dela.

Havemos de ter sempre pobres; é uma verdade eterna. A pobreza é uma lei de misericórdia que entra no plano da Providência como medida eficaz de salvação. É um largo campo de acção que se oferece a todas as almas de boa vontade.

É finalmente uma rede divina que Deus lança aos corações para os prender no seu amor.

A esmola que damos com sacrifício, por amor de Deus, nunca se perde, ainda mesmo quem a recebe. Damos uma coisa caduca, recebemos uma recompensa eterna. É uma verdadeira riqueza.

É justamente para enriquecer muita gente que o nosso Prelado abriu a sopa dos pobres no Patronato, que actualmente distribui 35 rações diárias.

Registamos mais os seguintes donativos que agradecemos em nome dos pobrezinhos:

Anónimo, 100$00. Anonimo, 25$00. Anonimo, 20$00. Viuva do Sr. Dr. Basílio, couves, 3 litros de feijão, cebolas e 1 farinheira. Sua irmã D. Maria José, 20$00. Anonimo, 5 litros de azeite. Viscondessa de Fijô, hortaliça, 5 litros de feijão, 2 quilos de carne de porco. D. Flora Mancelos, 6 litros de feijão.» [Correio de Coimbra, N.º 511, 26 Março 1932, p. 3].

No início do mês seguinte, foi dada informação das rações distribuídas em Março e continua o apelo recorrente de géneros alimentares, para aumentar a distribuição e melhorar a sopa diária servida aos pobres, como se verifica:

«SOPA DOS POBRES NO PATRONATO

Durante o mês passado distribuímos 1.085 rações. Este mês começamos com 37 rações diárias.

Temos tido alguns donativos, graças à generosidade dos nossos bemfeitores, mas precisamos de muito mais.

Mui encarecidamente pedimos àquelas pessoas que podem facilmente dispor de hortaliças, feijão. Azeite e outros géneros, o favor de nos auxiliarem. A recompensa vem de Deus.

Distribuímos no dia de S. José e no domingo de Páscoa 1 pão por cada litro de sopa, que fez a alegria dos socorridos. Se tivéssemos meios fa-lo-íamos diariamente.

Quem nos ajuda?

Registamos mais os seguintes donativos:

Ex.mo Sr. Henrique Mendes, 100$00; uma anónima, alguns litros de feijão.» [Correio de Coimbra, N.º 512, 2 Abril 1932, p.3].

Depois de respigarmos, em primeira mão, com muito agrado da penumbra do arquivo as primeiras notícias da Sopa dos Pobres, em Coimbra, ficou claro que esta obra teve início efectivo em Janeiro de 1932, por iniciativa do Bispo de Coimbra, D. Manuel, que entretanto enviou Padre Américo para a sua orientação. Sendo assim, esse serviço básico aos pobres, de ajuda alimentar, serviu as primeiras sopas desde o início desse ano; e acontece que Padre Américo - no prefácio do seu livro Pão dos Pobres [I vol., 1941] - refere a data da sua inauguração no dia de S. José de 1932. Voltaremos a este tema dos caboucos, até porque se foi tornando evidente que, sem a Sopa - dos Pobres, não teria surgido depois a Obra - da Rua...

Padre Manuel Mendes