PÃO DE VIDA
Charles de Foucauld - Um viajante na noite
Em 15 de Maio de 2022, o Papa Francisco canonizou Charles de Foucauld. Na véspera do centenário da sua morte [30-XI-2016], Charlie, de 21 anos, carpinteiro, ficou livre de perigo numa queda de um andaime com 15, 5 metros, na cúpula da Capela de Saint Louis de Saumur, em França. O seu processo de beatificação teve início em Março de 1927, em Ain Séfra, na Argélia; e foi beatificado em 13 de Novembro de 2005, pelo Papa Bento XVI. A sua memória é celebrada em 1 de Dezembro.
De seu nome completo Charles Eugène de Foucauld de Pontbriand, nasceu em Strasbourg - França, a 15 de Setembro de 1858, num lar cristão, filho de François Foucauld e Elisabeth Morlet; e foi baptizado dois dias depois,: «Meu Deus, todos nós devemos cantar as tuas misericórdias. Filho de uma santa mãe, aprendi a conhecer-Te, a amar-Te e a rezar-Te. [...]». Ficou órfão, aos 6 anos, e cresceu sob os cuidados do avô materno, coronel Beaudet de Morlet, e com a irmã Marie (3 anos). Recebeu formação cristã na infância e fez com fervor a Primeira Comunhão, em 28 de Abril de 1872.
Frequentou o Liceu de Nancy e teve uma juventude rebelde. Na adolescência, aos 17 anos, distanciou-se da fé cristã: «eu permaneci assim, doze anos, sem negar coisa alguma e sem acreditar em nada [...]» [carta a Henry de Castries, 14-8-1901]. Estudou na Escola Militar de Saint-Cyr e na Escola de Cavalaria de Saumur. Em 1880 foi para a Argélia, donde regressou por indisciplina. Em 1882-1884, fez uma grande viagem em Marrocos, com riscos, cuja exploração relatou - Reconnaissance au Maroc (1883-1884) [Paris, 1888].
Regressado a França, instalou-se em Paris, em 1886, e atravessou um período de busca e interrogação, com longa reflexão: «Mesmo não sendo crente, comecei a ir à igreja. Era o único lugar onde me sentia à vontade e passava longas horas repetindo esta estranha oração: 'Meu Deus, se existis, fazei que eu vos conheça!'». Guiado pelo P.e Henri Huvelin [1838†1910], vigário na igreja de Saint Augustin - Paris, deixou a vida mundana e viveu a graça da sua conversão, em Outubro de 1886, com 28 anos: «fez-me ajoelhar, confessar e mandou-me logo para a comunhão», conforme placa de lembrança: Ici Charles de FOUCAULD s'est converti en se confessant à l'Abbé HUVELIN en Octobre 1886. Devenu prétre le 9 Juin 1901 il a célébré plusieurs fois la messe dans cette église.
Em Setembro 1900, voltou a França. «Os meus retiros do Diaconato e do Sacerdócio mostraram-me que a vida de Nazaré, onde se me afigurava ver a minha vocação, devia ser vivida, não na Terra Santa, que eu tanto amava, mas entre as almas mais doentes, entre as ovelhas mais tresmalhadas». Depois, foi ordenado Presbítero em 9 de Junho de 1901, na Diocese de Viviers. Sendo sua vontade, obteve permissão para ir para o Saara argelino e chegou a Béni-Abbès, em Outubro de 1901, ficando ao serviço de Mons. Guérin, Prefeito apostólico do Saara. Passava horas diante do Santíssimo e confidenciou: «A Santa Eucaristia é Jesus, é Jesus todo». Desse tempo, disse: «Quero que todos os habitantes se acostumem a ver-me como seu irmão, o irmão universal». Assim, notou: «Das 4h 30 às 20h 30, não paro de falar e receber pessoas: escravos, pobres, doentes, soldados, viajantes e curiosos.».
Depois, em Junho de 1903, foi autorizado a ir para o sul, viver com os Tuaregues de Hoggar: «Para anunciar o Evangelho, estou pronto para ir aos confins da Terra e viver até ao julgamento final [...]». Em Tamanrasset, continuou a viver uma vida pobre e de oração: adoração do Santíssimo Sacramento, meditação da Sagrada Escritura e devoção ao Sagrado Coração de Jesus. De Foucauld anotou: «Jesus, Maria, José aprenderei de vós a calar-me, a passar oculto pela terra como um viajante na noite». O seu lema epistolar: Jesus Caritas. Sozinho com Jesus, confessou: «Amanhã, faz dez anos que rezei a Santa Missa no eremitério de Tamanrasset e nem uma única conversão! É preciso oração, trabalho e paciência.». Em 28 de Julho de 1914, começou a I Guerra Mundial, na Europa. De Tamrasset, em 1 de Agosto de 1916, escreveu a Louis Massignon: «Não há, julgo eu, palavra do Evangelho que me tivesse impressionado tanto e mais tivesse transformado a minha vida, do que esta: 'Tudo o que fizerdes a um destes mais pequenos, é a Mim que o fareis'. Se pensarmos que estas palavras são as da Verdade incriada, da própria boca que disse 'Isto é o Meu Corpo... Isto é o Meu Sangue...', com que força seremos então levados a procurar e amar Jesus nesse 'mais pequenos', nesses pecadores e nesses pobres.».
Na noite de 1 de Dezembro de 1916, com 58 anos, em Tamanrasset, o marabuto dos rumis [homem de Deus dos cristãos] foi assassinado por assaltantes de passagem. «A bala entrou por detrás da orelha direita e saiu pelo olho esquerdo. Foi enterrado na mesma posição em que foi assassinado: de joelhos e com os cotovelos amarrados atrás das costas» - segundo o seu amigo general François-Henri Laperrine [1860†1920], em carta ao P.e Voillard [15-XII-1917]. Em 1897, tinha anotado: «Pensa frequentemente nesta morte a fim de te preparares para ela e dares às coisas o seu verdadeiro valor.». O seu corpo foi exumado de Tamanrasset para El Menia, na Argélia, a 26 de Abril de 1929; excepto o seu coração, que ficou em terras tuaregues, no monumento ao general Laperrine.
Vários Institutos e Fraternidades de padres, religiosos e leigos mantêm viva a espiritualidade de S. Charles de Foucauld. A sua correspondência e outros escritos espirituais [v.g., Écrites Spirituels, Paris, 1924] são páginas preciosas de uma testemunha extraordinária do Evangelho, pela sua conversão, e um apaixonado do deserto, imitando Jesus pobre, que afirmou: «No deserto nunca estamos sós». Além de explorador, geógrafo e eremita, foi linguista, sendo autor de Dictionnaire Touareg - Français [Paris, 1951]. De Foucauld ficou mais conhecido com a biografia de René Bazin [1853†1932] - Charles de Foucauld: Explorateur du Maroc. Ermite au Sahara. Paris, 1921.
Padre Manuel Mendes