PÃO DE VIDA

Pai Américo e De Foucauld e as Irmãzinhas de Jesus

O teólogo Yves Congar chamou farol místico a Charles de Foucauld. François Six disse que é um Francisco de Assis para os nossos tempos. O Papa Francisco, ao concluir a Carta Encíclica Fratelli Tutti [n. 287], afirmou: «somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos».Diante deste extraordinário testemunho cristão, é válida a observação de S. Paulo VI, Papa: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres [...] ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas» [Acta Apostolicae Sedis 66 (1974), p. 568].

Durante a I Guerra Mundial, Américo Monteiro de Aguiar encontrava-se a ganhar honradamente o pão de cada dia no Chinde, em Moçambique, sendo certo que na costa oriental de África também foi procurando com luta interior o Caminho da Luz, tendo o exemplo dos missionários franciscanos. Nessa época e no deserto argelino do continente africano, o viajante e eremita Charles de Foucauld vivia a radicalidade evangélica, em contexto muçulmano. É muito significativo o interesse de Padre Américo pelo seu testemunho cristão, sendo possível que tenha conhecido a tradução do livro Carlos de Foucauld, de René Bazin [Coimbra: Casa do Castelo, 1950]. Depois, sintetizou a repercussão da vida e espiritualidade do pobre do deserto, num belo naco de texto, que respigámos para ilustrar o bem que deixou à Igreja. Eis:

«CAMINHOS DE DEUS

É dos nossos dias a vida de um oficial do exército francês, que foi levado a trocar os galões por uma vida de suplício, despendida nos desertos de África. Falo do P.e Carlos Foucauld. Por 40 anos além, o Missionário experimentou todas as modalidades do insucesso. Nunca viu nada a sair-lhe das mãos. Jamais notícia de uma conversão. Por toda a parte e circunstâncias, dava com a impermeabilidade do Alcorão. Que trânsito! E contudo, era aquele mesmo o caminho. O caminho de Deus. Do cadinho sai o oiro. Dos fiascos, a vitória. Anos depois da sua morte, aparece a vida: Assim tinha de ser. A morte lenta do sacerdote nunca deixou de ser Luz. Tiremos todos daqui uma lição, nós, os pequeninos mortais que vivemos na obscuridade. Não queiramos nem aspiremos ao gigantesco sabendo que, nos caminhos do Senhor, não há derrotados. Cada acção é mercê eterna!

Temos hoje no mundo o P.e Foucauld. Se Cristo ressuscitou dos mortos, também as obras dos cristãos, feitas por seu amor. Já temos em Portugal as Irmãs do P.e Foucauld; mas elas são em vários continentes do mundo. Admiráveis de pobreza! A pobreza é o sinal: 'Ide ver a Belém!'.

Há dias vinha de Lisboa e encontro duas Irmãs, perto das Caldas; sandálias, saco às costas, alegres, romeirantes. Quis saber se precisavam de alguma coisa. Não senhor. Não precisavam de nada. Pergunto como resolvem o problema da distância. A pé. E se faz noite no caminho? Pedimos dormida. Trabalham e rezam. O pão que comem é o seu suor. Na fábrica são raparigas da fábrica. Nos escritórios, empregadas. Nos hospitais, enfermeiras. Nas igrejas, cristãs. Tudo por todos, para conquistar todos.

Oh! profundidade da subida e altíssima Pobreza do Evangelho!

Ora tudo isto vem aqui para dizer que um neo-sacerdote acaba de declarar «estou cada vez mais convencido de que só o escândalo da pobreza eficaz, pode valorizar o nosso ministério, por isso desejo ser padre da rua». Esperemos. São caminhos de Deus.» [O Gaiato, n. 270, 3 Julho 1954, p. 1].

No caminho espiritual de Charles de Foucauld - o Irmão universal - seguiu Magdeleine de Jésus [1898, Paris †1989, Roma], de seu nome Elisabeth Marie Magdeleine Hutin, que fundou a Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus [Petites Soeurs]em 1939 e se instalou em Touggourt, um oásis do Saara argelino. No Natal de 1949, decidiu retirar-se do cargo Superiora Geral e ocupou-se em novas fundações e da formação das Irmãzinhas. Em 13 de Outubro de 2021, a Congregação para as Causas dos Santos reconheceu as suas virtudes heróicas. Actualmente, cerca de 1300 Irmãzinhas de Jesus vivem em pequenas fraternidades junto de pessoas pobres em 70 países [La Croix, 13/10/2021]. O P.e René Voillaume [1905†2003] e os seus companheiros, nos anos trinta, fundaram uma fraternidade de Irmãozinhos de Jesus [Petits Frères], em El-Abiodh-sidi-Cheik, no Saara argelino. O seu ideal consiste basicamente em querer ser pequenos, pobres, vivendo do fruto de um trabalho humilde, entregues ao próximo, nos humildes serviços da caridade com todos.

Para a próxima quinzena, veremos o interessante encontro de Pai Américo com Magdleine de Jésus, em Paço de Sousa, um ano antes da sua partida deste mundo.

Padre Manuel Mendes