PÃO DE VIDA

Fez-Se pobre

«Jesus fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza.»

S. Paulo [2 Cor 8, 9].

A celebração do nascimento de Jesus em 2022 vem acompanhada por um motivo de alegria: o nascimento recente do bebé em que se alcançou o número de 8 000 milhões de seres humanos que povoam o planeta Terra. Não sabemos o seu nome, mas todo o ser humano tem o seu nome gravado no livro divino. O crescimento mundial da população tem subjacente o desenvolvimento científico, da saúde pública e da produção alimentar. Porém, vai-se verificando que a pobreza - a miséria, com diversos matizes - tem crescido e as injustiças são flagrantes, pois grande parte da riqueza mundial está nas mãos de alguns países poderosos e grupos gananciosos e até terroristas. Sendo preocupante que nasçam muitas crianças em contextos de pobreza, contudo não são demais. De facto, são sempre bem-vindas ao mundo todas as vidas humanas, pois a luta contra a pobreza não passa por evitar que nasçam os pobres, cujas culturas valorizam muito a vida humana.

Afinal, o que é ser pobre? Todo o ser humano é pobre, na medida em que é uma criatura dependente, necessitada e carente. A ética cristã radica no elogio da pobreza voluntária e do desapego dos bens temporais. De outros modos, na infelicidade e injustiças, há muitas pessoas que sobrevivem na tribulação e na indigência, sem os bens indispensáveis para uma vida com dignidade [v.g., afectos, saúde, água, alimentação, medicamentos, casa, salários, reformas] que não são distribuídos com justiça. Os pobres, de verdade, clamam por atenção, justiça e partilha. A opção pelos Pobres é uma preferência divina, pois Deus manifesta a Sua misericórdia aos últimos, antes de mais: «está implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a Sua pobreza» [Papa Bento XVI - AAS 99 (2007), 450].

Em 1647, num Sermão das Obras de Misericórdia, pregado na Igreja do Hospital Real de Lisboa, com o Santíssimo exposto, o Padre António Vieira [1608 †1697] foi muito longe sobre este tema, dizendo: «agradam mais a Cristo os obséquios que se lhe fazem no pobre, que no mesmo Sacramento do Altar; porque no sacramento está impassível; no pobre não só está passível mas padece.» - Sermões do Padre António Vieira, Lx., 1856, T. X, p. 172]. É sublime, entre tantos pensamentos afins, este do Padre Américo: «O Pobre é coisa tão santa, e tão divina a missão de o servir, que unicamente sabe o que diz quem for pobre ou servo deles; as experiências não se transmitem.» [Pão dos Pobres, I, Coimbra, 1941, p. 4].

O Papa Francisco centrou a acção pastoral do ministério petrino, afirmando: «desejo uma Igreja pobre para os pobres. [...] A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-las no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles [...]» [Exortação Apostólica Evangelium Gaudium, 24-XI-2013, n. 198].

«A pobreza não é uma ideologia» - sublinhou Frei Massimo Fusarelli, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores [Carta, 8-XI-2022]. Na Regra [não bulada], S. Francisco de Assis exortou os seus irmãos: «devem alegrar-se, quando conviverem entre pessoas insignificantes e desprezadas, entre os pobres, fracos, enfermos, leprosos e os que mendigam pela rua.» [Cap. IX, 2].

A luta contra as misérias passa pelo ajuda e promoção humana daquelas pessoas, em condições sociais e contextos diversos, que são cuidadas nas suas enfermidades, alimentadas, vestidas, escutadas nas suas dores, levantadas do desânimo, ajudadas a crescer saudavelmente, ensinadas a conhecer e a respeitar saudavelmente os outros e a Criação, a amar a Deus vivo e verdadeiro! No seguimento evangélico, ousamos perguntar-nos: - O que fazemos pelos pobres?... Uma referência, apenas e de relance, das muitas voltas da vida de ajuda e promoção de pessoas de outras paragens, sobre um tema que nos faz certa espécie: a questão da obtenção da nacionalidade portuguesa, para alguns filhos provenientes das Ex-Colónias, que às vezes é complicada e os prejudica muito nos seus direitos básicos. É o caso do Nadú, neto de militar português, combatente na Guiné-Bissau, mas que ainda é estrangeiro... [vd. Furriel não é nome de pai, Lx.ª, 2018].

De salientar, com estima e gratidão, entre muitos gestos e palavras, a atenção, a amizade e o carinho concretos e até discretos, que vamos pedindo e recebendo nesta comunidade, com fortes sinais positivos:a comunhão na Obra da Rua, com os Bispos e na Igreja Católica; o pão nosso de cada dia - pelos nossos amigos e leitores d'O GAIATO; a colaboração desinteressada e perseverante; os pobres, em especial de desânimo - com as suas lamentações e pedidos de preces; os amigos dos Hospitais de Coimbra e de Lisboa (v.g., pelo Banora e Ladilson); a sapiência de alguns magistrados; etc. São muito significativos e estimulam-nos a ser menores - franciscanos,à conversão para um testemunho credível. Sempre com o olhar fixo em Jesus, Filho de Maria e de José, da manjedoura à Ceia e à cruz, na esperança da manhã de Páscoa!

Padre Manuel Mendes