
PÃO DE VIDA
«Senhor, eu amo-Te.»
[Últimas palavras de Bento XVI, 31-XII-2022.]
Aproximava-se o final do ano da graça de 2022, quando aconteceu a páscoa do venerando Papa Emérito Bento XVI, guardião da fé cristã, que adormeceu na esperança da ressurreição em Cristo!
No caminho da Igreja que amamos, entre uma enorme multidão de amigos de Deus, como exemplo, Padre Américo manifestou assim a sua pertença inequívoca à Igreja Católica: «Deixei a vida que tinha e fiz-me, mercê de Deus, sacerdote católico. Eu sou do Papa.» [O Gaiato, N.º 89, 26 Julho 1947, p.1]. Batiam as baladas da meia-noite, quando fomos deixando serranias da Lousã. Das terras do Mondego, visámos alcançar Gaia e o coração do Porto - Douro, casarios das margens, Catedral, Seminário... em que arregalámos bem os olhos! Num rufo, fomos da Sé aos Aliados, com uma noite de ansiosa vigília pela frente. Com o raiar da aurora dessa marcante sexta-feira, uma grande multidão de pessoas foi enchendo até aos telhados a grande Avenida e as artérias circundantes, com rostos muito felizes pela presença do Sucessor de Pedro na cidade invicta. Entretanto, encontrámo-nos com Padre Carlos.
Considerando o seu grande significado, arriscámos tecer umas singelas linhas e com eterna gratidão, especialmente pelo seu sorriso inesquecível e com a sua mão direita saudando, na manhã do dia 14 de Maio de 2010, pouco antes da Missa, na antiga e bela cidade do Porto. Foi na sequência da nossa espontânea saudação de júbilo - Viva o Papa !!! Testemunhámos assim vivamente o que escreveu numa obra segura sobre Jesus Cristo: «Na fé, sabemos que Jesus, abenoando, tem as suas mãos estendidas sobre nós. Tal é a razão permanente da alegria cristã.» [Jesus de Nazaré: Parte II - Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, Principia, 2011, p.236]. Em Março de 2001, veio às Jornadas de Teologia, da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, onde dissertou sobre a matriz cristã da Europa, que também escutámos com muito interesse.
É reconhecida a grandeza intelectual e eclesial deste «simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor», como afirmou após a sua eleição, ao assomar pela primeira vez à varanda da Basílica de S. Pedro, no Vaticano. Na fidelidade à Igreja, deixamos um simples in memoriam sobre este Pastor da Igreja universal, Doutor da Igreja, pela profundidade e qualidade da sua obra teológica. Da imensa bibliografia, não abarcável, poisámos os nossos olhos em breves notas autobiográficasde La mia vita - Ricordi (1927-1977) [San Paolo Ed.], extraindo alguns pequeninos recortes, como apontadores iniciais do caminho para o dificílimo ministério petrino.
Na fonte baptismal, foi bem mergulhado no mistério pascal de Cristo: «Nasci em 16 de Abril de 1927, Sábado Santo, em Marktl am Inn [na Alta Baviera e Diocese de Passau - Alemanha]. Em família, recordava-se muitas vezes que eu tinha nascido no último dia da Semana Santa, na Vigília da Páscoa, tanto mais que fui baptizado na manhã seguinte ao meu nascimento, com a água acabada de benzer da ´noite pascal´ [...]».
Depois, Joseph Aloisius Ratzinger foi passando a sua infância e adolescência em Tittmoning, Aschau e Hufschlag, perto de Traunstein, próximo da fronteira com a Áustria. Em 16 de Abril de 1939, conseguiu entrar no Seminário Arquiepiscopal de St. Michael: «Durante dois anos tinha ido para a escola a pé, todos os dias, com grande alegria; mas, depois, o pároco insistira que eu entrasse no Seminário Menor. Para o meu pai [Joseph] cuja pensão [de oficial de polícia] era verdadeiramente exígua, tratava-se de um grande sacrifício.». Entretanto, «pela Páscoa de 1939, entrei no Seminário, feliz e cheio de grandes expectativas, visto que o meu irmão [Georg, n. 1924] falava muito bem dele.». Durante a II Guerra Mundial, de 1943 a 1945, prestou vários serviços militares, obrigatórios.
Após os estudos filosóficos e Teológicos, recebeu a ordenação presbiteral: «senti-me feliz quando, finalmente, pude preparar-me para o grande passo: a ordenação sacerdotal, que recebemos na catedral de Freising, pela mão do Cardeal Faulhaber, na festa dos Santos Pedro e Paulo [29 de Junho], no ano de 1951.»
Sobre a morte da sua mãe, Maria - filha de artesãos de Rimsting e que foi cozinheira - escreveu sentidamente: «O ano de 1963 marcou profundamente a minha vida. Já em Janeiro, o meu irmão tinha notado que a nossa mãe conseguia cada vez menos alimentar-se. Em meados de Agosto, o médico deu-nos a triste certeza de que se tratava de cancro no estômago. [...] A 16 de Dezembro, fechou para sempre os seus olhos, mas a luz da sua bondade permaneceu e, para mim, tornou-se cada vez mais uma demonstração concreta da fé com que ela se deixara plasmar.». Em 2 Novembro de 1991, morreu a sua irmã Maria [n. 1921], que o acompanhou durante 34 anos.
Colaborou na pastoral paroquial, ensinou no Seminário de Freising e fez o seu Doutoramento na Universidade de Munique, com a Tese - Povo e Casa de Deus na doutrina de Santo Agostinho. Foi leccionando Teologia em Universidades alemãs (v.g., Bonn, Münster, Tubingen, Regensburg). Participou no II Concílio do Vaticano (1962-1965). Em 24 de Março de 1977, foi nomeado Arcebispo de Munique e Frisinga, com o lema Cooperatores veritatis. Com 50 anos, em 27 de Junho de 1977, foi criado Cardeal, pelo Papa Paulo VI. Em 25 de Novembro de 1981, foi nomeado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Ainda, foi presidente da Comissão Pontifícia Bíblica, da Comissão Teológica Internacional e da Comissão para a preparação do Catecismo da Igreja Católica. Em 19 de Abril de 2005, o Conclave dos Cardeais escolheu-o como 265.º Papa, da História da Igreja Católica Apostólica Romana, sucedendo ao Papa João Paulo II (1978-2005), de grata memória. O seu pontificado durou apenas oito anos (2972 dias), mas decisivos, sob o peso grande da cruz. Com forte timão, amou a Igreja, que firmou na cúpula, apesar de fortes vergastadas.
Da sua vasta e extraordinária obra teológica, como mestre e Papa, eis um pensamento magistral e actual [com original em latim]: «O amor - caritas - será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem. Sempre haverá sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo. [...]» [Benedicti PP. XVI - Deus Caritas est, XXV mensis Decembris anno MMV, Acta Apostolicae Sedis, XCVIII, N. 3, 3 Martii 2006 n. 29, p. 240].
Em 29 de Agosto de 2006, o Papa Bento XVI escreveu o seu Testamento Espiritual, em que pediu: «Permaneçam firmes na fé!». Em 10 de Fevereiro de 2013, da sua pena saiu uma Declaração de renúncia e o seu anúncio aconteceu no dia seguinte, dizendo: «Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino.». Isto não acontecia desde o Papa Gregório XII, em 1415. Em 13 de Março de 2013, o Papa Francisco foi eleito pelo Conclave. Em 23 de Fevereiro de 2013, o Papa Bento XVI afirmou claramente o cerne da fé cristã: «Crer não é senão tocar a mão de Deus na obscuridade do mundo e assim, no silêncio, ouvir a Palavra, ver o Amor.». O Papa Bento XVI despediu-se a 28 de Fevereiro de 2013; mas, continuou a servir bem a Igreja, especialmente na oração, no Mosteiro Mater Ecclesia, no Vaticano.
No dia 31 de Dezembro de 2022, com 95 anos, Bento XVI foi chamado pelo Senhor da vida. E, em 5 de Janeiro de 2023, sepultado com simplicidade e admiração na cripta de S. Pedro, no túmulo onde repousaram os restos mortais de S. João Paulo II (canonizado a 27-IV-2014). Requiescat in pace!
Padre
Manuel Mendes