PÃO DE VIDA
Das marteladas em Américo Monteiro de Aguiar
Sobre o tempo que Américo Monteiro de
Aguiar viveu no Porto, há informações com interesse vocacional. São de notar
dois pormenores biográficos referentes a encontros significativos com certo
alcance no seu itinerário. Assim, o Padre Zeferino de Aguiar [1835 †1906], seu
tio-avô e padrinho de seu irmão Padre José, numa carta a este, 5 de Setembro de
1904, disse: «N'outro dia tive pena do Américo. Lá o vi dentro do balcão… Mas
que remédio há senão sugeitar-se: o pano não dá para grandes mangas.» ['Facetas
de uma Vida', in O Gaiato, N.º 482, 1 Setembro 1962, p. 4.]. Ainda bem
que este ponto de vista foi desmentido.
Num documento escrito em Junho de 1928, antes da sua ordenação de Subdiácono, Américo de Aguiar recordou um ilustre e sábio sacerdote que o marcou para sempre. Diz assim: «P.S. Nota curiosa: - Numa casa de ferragens, ao fundo do Mousinho, em certos dias da semana, das bandas da Banharia, entrava a esperar o carro da Praça do Infante um homem alto, grave e pontual. Logo de dentro, diligente, saía um petiz a oferecer-lhe um banco… Já lá vão 24 anos. Éramos nós!». ['Facetas de uma Vida', in O Gaiato, N.º 325, 18 Agosto 1956, p. 2.]. Era o Cónego Dr. Manuel Luís Coelho da Silva [1859†1936], que depois foi Bispo de Coimbra [1915]. Este Prelado recebeu-o no Seminário de Coimbra [1925] e ordenou-o de Presbítero [1929]!
Nesta grande e exemplar viagem vocacional, Américo de Aguiar rumou então a África, ao encontro de seu irmão Jaime, a trabalhar em Moçambique, seduzido por ganhar o pão honradamente. Nesses caminhos da costa oriental, banhados pelo Oceano Índico, trabalhou arduamente e o Senhor veio a chamá-lo — tocando-o interiormente. De facto, mais tarde, o seu processo vocacional conduziu a uma reviravolta na sua vida, na idade adulta. À procura de alguns sinais da sua vida cristã e do chamamento divino, é segura a correspondência familiar, pois são fios preciosos para tecer este belo pano com que se apresentou diante de Deus.
Em 15 de Julho de 1906, seu pai Ramiro de Aguiar escreveu ao filho Padre José, confirmando a partida de Américo para Moçambique, dizendo:
«P.e José
Tal qual o filho pródigo do Evangelho, voltou à casa paterna a carta que em Janeiro passado te escrevi. Não dissipou, como aquele, o património que levou consigo, por isso não carece, como o outro, do agasalho e carinho paternal. Portanto, rua! Volte para onde andou […].
Toda a família, exceptuando os tios da Várzea, que vão paleando e sempre gemendo, está óptima e de boa saúde. Américo vae em Outubro para o Chinde. Deus permita seja mais feliz que o Zeferino o foi.
Quando virás ver-nos antes que eu tenha frio o céu da boca?
Teu pae
Ramiro» ['Facetas de uma Vida', in O Gaiato, N.º 483, 15 Setembro 1962, p. 2.].
Seguindo um apontamento biográfico de Padre José de Aguiar, Américo acabou por partir no mês seguinte:
«[…] Em Novembro de 1906, foi para Àfrica para ser colocado no comércio pelo irmão Jaime que desde Maio de 1898 estava na África. Embarcou em Lisboa no 'Prinz Regent', no dia 19 de Novembro de 1906, e dia 24 de Dezembro do mesmo ano, chegou ao Chinde, às 3 h. da tarde. Visitou Tânger e Marselha. Dedicou-se ao estudo do inglês. Em Julho de 1907, estava colocado numa importante companhia inglesa, no Chinde, The British Central Africa C.ª L. Gostava muito da sociedade com os ingleses e da terra, por ser saudável. […]» [O Gaiato, N.º 326, 1 Setembro 1956, p. 2.].
Depois de Lourenço Marques e da Beira, o porto do Chinde tinha importância comercial. Desses anos de trabalho intenso, deixou esta simples recordação posterior: «Antes de me fazer Padre, por favor escolha de Deus, trabalhei longos anos fora e longe de Portugal, numa colónia de ingleses.» [O Gaiato, N.º 229, 6 Dezembro 1952, p.4.].
Sobre os primeiros anos dessa estadia, em carta de 1 de Junho de 1907 para o Padre José, a sua mãe Teresa deu esta notícia: «O Jaime mandou dizer que tem o Américo muito bem empregado numa Companhia inglesa onde pode ser um homem.» ['Facetas de uma Vida', in O Gaiato, Nº 486, 27 Outubro 1962, p. 4.].
Noutra carta da sua mãe Teresa — a senhora Teresinha de Antelagar - de 13 de Fevereiro de 1909, vem um inciso significativo sobre a sua vida espiritual, nesse tempo, com 21 anos, nomeadamente a sua participação assídua na Eucaristia: «O Américo tem escrito. Estão bons. Mandou uma libra à Amélia da Botica e a mim um anel e ao Pai 10 libras pelo Natal. E diz um capitão que veio aqui trazer as encomendas, que ele estava um rapaz à altura, que era caixeiro despachante a bordo na língua portuguesa, francesa e inglesa e que admirava a aptidão que ele tem para tudo isto e que ajudava todos os dias à missa ao Sr. Padre Vicente e o tempo que lhe chega para tudo.» [Ibidem].
O sacerdote indicado será o Padre José Vicente do Sacramento? Missionário culto, nasceu em Castelo — Sertã, a 2 de Abril de 1868, estudou no Real Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim, sendo ordenado Presbítero em 6 de Agosto de 1893, foi missionário em Moçambique, com actividade extraordinária, veio a comprar o Convento de Cucujães [26-VIII-1923] e faleceu a 18 de Fevereiro de 1933, em Lisboa.
Não se encontram referências, nesses anos, do chamamento à vocação presbiteral. E, depois, terá esmorecido na prática sacramental, não deixando de ser católico. A nível profissional, foi um trabalhador competente de uma companhia inglesa de transporte fluvial de mercadorias. Alguns encontros providenciais aproximam-se, em Moçambique…
[continua]
Padre Manuel Mendes