PÃO DE VIDA

De mãos dadas em Língua Portuguesa

«Da minha língua vê-se o mar.

[…] Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.»

Virgílio Ferreira


Nestas excelentes palavras com longo alcance, de uma conferência intitulada A Voz do Mar, proferida em 1991, encontra-se um dos mais veementes elogios — defesa da relação entre a identidade cultural portuguesa e o mar, cuja matriz é indissociável da actividade marítima desde as raízes da nacionalidade e ao longo da História de Portugal. Vai desde o arrojo dos pescadores, que enfrentam sempre o mar para ganhar o seu sustento, aos navegadores incontáveis e destemidos que foram partindo pelos mares além, nos Descobrimentos e encontros de culturas, desde o século XV. Sendo Portugal geograficamente um país pequeno, no sudoeste da Europa e debruçado sobre o Oceano Atlântico, é incontornável a sua linha medular marítima. Para além das páginas conhecidas, com luzes e sombras, dos inúmeros sinais e marcas da presença e da Língua Portuguesa pelos vários continentes, há muito por descobrir. Interessante, v.g.,a tese sobre o descobridor da Califórnia — o português João Cabrilho.

Foi num intervalo de pregações dominicais de Agosto, quente, que a nortada nos levou a tomar a sua frescura e a revisitar Vila do Conde — «espraiada entre pinhais, rio e mar», no dizer de José Régio [1901†1969]. Na foz do rio Ave, olhando o mar azul e salgado, foi momento propício para reflectirmos sobre os caminhos presentes e futuros da nossa acção eclesial. Este admirado escritor vila-condense escreveu: «para se avançar, não é preciso negar o caminho andado» [Presença — n.º 23, Dez. 1929]. Sendo devoto coleccionador de Cristos — a sua paixão, afirmou: «Os que falam da Religião como alienação suprema — não podem compreender de quantas alienações ela nos liberta» [Confissão dum Homem Religioso, Porto: Brasília Editora, 1971, p. 239.].

Dadas as dificuldades de muitas famílias, com fragilidades várias, continuam os pedidos de acolhimento residencial de crianças e adolescentes, necessitados, oriundos de Países de Língua Oficial Portuguesa, cujas respostas ficam pendentes, por certos imperativos. Recentemente, fomos desafiados de vários lados para acolher estudantes carenciados do mundo lusófono, nomeadamente: Angola, Guiné-Bissau e Timor-Leste. Nas respostas sociais para os pobres, atentos aos sinais dos tempos, exige-se que sejam tomadas medidas necessárias e urgentes, pois a proposta cristã nunca envelhece [Papa Francisco — Evangelii Gaudium, n.11], considerando que Cristo, «na sua vinda, trouxe consigo toda a novidade» [Santo Ireneu — Adversus haereses, IV, 34, 1]. Em 29 de Agosto, o Papa Francisco incentivou à cultura do acolhimento das pessoas que precisam, «para que não sejam esquecidas pelas instituições e jamais sejam consideradas descartáveis»: «paremos de tornar invisíveis os que estão à margem da sociedade». Na alegria de evangelizar, os pobres — os últimos — são os primeiros!

Nesta Casa, desde 2008, foram acolhidos 74 menores, sendo de notar que a larga maioria é originária de Países de Língua Portuguesa. Por estes dias, o assunto do acolhimento estudantil tornou-se emergente, estando próximos de Coimbra e com condições para receber jovens, no sentido do prosseguimento de estudos e formação integral na nossa Casa. Parece-nos, pois, que é um dos caminhos a percorrer neste tempo, de encruzilhada social.

De facto, tem sido um tema da actualidade nacional, mas recorrente, com as colocações dos estudantes no ensino superior, como diz uma manchete de 28 de Agosto: Quartos para estudantes subiram 10% e custam mais de 400 euros em Lisboa e Porto. O preço médio de um quarto para estudantes é de 350 euros [Observatório do Alojamento Estudantil]. Isto representa um valor elevado da remuneração média mensal de um trabalhador por conta de outrem. Havendo cerca de 110 mil alunos deslocados no ensino público, há apenas 16 mil camas a preços comportáveis, pelo que a rede pública de alojamentos estudantis só tem lugar apenas para 15% dos alunos que vivem longe da casa de família. Sendo lenta a resposta do Estado à crise habitacional, nomeadamente no alojamento estudantil, surge evidentemente aqui outra possibilidade real de resposta social e eclesial urgente. A Obra da Rua tem também neste domínio uma palavra — acção a desempenhar; como tem acontecido mais a nível do Ensino Básico e Secundário, e nos acolhimentos por fragilidades familiares, de saúde e económicas.

Neste contexto e vem a propósito, na 14.ª Conferência dos Países de Língua Portuguesa [CPLP], que decorreu em S. Tomé e Príncipe, foi aprovada uma recomendação sobre a mobilidade dos jovens estudantes destes países lusófonos, tendo em vista a «cooperação comunitária para a elaboração e ampla disseminação de oportunidades de formação e capacitação destinadas aos jovens».

Sendo Portugal — Portus cale — sobretudo um cais donde se tem partido, ao longo dos séculos, e também se tem olhado o Oceano e chorado de saudades, que o mar — como caminho de tantas viagens — seja uma via larga para reforçar a colaboração na formação e promoção dos irmãos de Língua Portuguesa, cujos laços são indeléveis, pois a educação e a cultura são recursos fundamentais a explorar para o desenvolvimento dos povos, mas boa parte das riquezas materiais continua à mercê de poderosos. Diz o povo e com razão: Mais vale andar no mar largo do que nas bocas do mundo. Não sonhar também é uma forma de pobreza.

Padre Manuel Mendes