PÃO DE VIDA

Das pregações estivais


A Pobreza em Pai Américo é um tema central no seu pensamento e na sua acção sacerdotal. Nas suas disposições testamentárias, Padre Américo deixou este mandato aos Padres ao serviço da Obra da Rua:

«O fundamento da Obra da Rua é a sua pobreza. Os Padres da Obra são mendicantes. Padres pobres ao serviço de uma Obra pobre. Sempre que for necessário, saíam a mendigar de porta em porta e recebam por amor de Deus tanto o sim como o não. Também com licença dos Bispos, vão pelas igrejas e apresentem-se ousadamente como padres 'sem ouro nem prata', sabendo que a eficácia destas palavras, que faz estremecer as almas, provém, não delas, mas sim da total concordância, entre o que dizem e o que realmente são.». ['O Meu Testamento', in O Gaiato, N.º 127, 8 Jan. 1949, p. 1.].

Para se encontrarem algumas raízes destas suas indicações, é necessário perscrutar a matriz franciscana subjacente. Na verdade, a altas horas da sua vida, em Outubro de 1923, com 36 anos, depois de uma derradeira martelada, foi bater à portaria do Convento Franciscano de Vilariño de la Ramallosa, em Tuy, na Galiza, como devoto de S. Francisco de Assis [1181†1226] e apaixonado pelo carisma franciscano. Chegou a receber o hábito franciscano, em 14 de Agosto de 1924 — Frei Américo de Santa Teresa [vd. foto no Memorial Pai Américo]. A Ordem dos Frades Menores é uma Ordem mendicante, tendo em vista a renovação da Igreja e da sociedade pelo Amor e pela pobreza. «Na raiz da pobreza de Francisco não resta dúvida que se encontra esse fascínio teologal da paternidade de Deus.» [Jean-Joseph Buirette, OFM –'Porquê a Pobreza de Francisco?', in A espiritualidade de Francisco de Assis, Braga: Ed. Franciscana, 1993, p. 175.]

Na revista Lume Novo [N.º2-1927, no Arquivo do Seminário Maior de Coimbra], dos seminaristas de Coimbra, comemorativo do sétimo centenário da morte de S. Francisco de Assis, recortamos um belo naco de prosa americana, encontrando o fio condutor da pobreza que Américo de Aguiar procurou viver. Nesta altura, era aluno do 1.º ano de Teologia. Eis:

«São santos todos os fundadores das Ordens Monásticas! E, sendo certo que todos são grandes santos, qual a razão por que uns são mais venerados do que outros e S. Francisco mais do que todos? […] Porquê?! É que nenhum homem como ele soube jamais desprezar a vida para a viver na sua plenitude. Viveu-a amando. Mas amando o quê? Os homens; a natureza; as coisas. A simplicidade; a pureza; a humildade, a penúria. […] Mas amava primeiro que tudo e acima de tudo Deus. […] Desposando a sua noiva, a Santa Pobreza, o filho de Bernardone rasga novos horizontes na vida; descobre um novo mundo e vê numa luz nova os pobres e os ofícios humildes. Grande e poderoso senhor que era, faz-se pequenino e miserável para se dar todo inteiro aos pequeninos e aos miseráveis; tudo por amor de Deus.»

Depois, tem interesse notar que, em formação para sacerdote diocesano, no início do 3.º ano de Teologia, no dia em que foi admitido ao Subdiaconado, em Outubro de 1928, Américo Monteiro de Aguiar fez por escrito voto de Pobreza: «Em nome e por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, o grande Mendigo, que me tem cumulado de riquezas sem conta nem peso nem medida, declaro solenemente, humildemente, que nada mais desejo possuir nem saber, nem pregar, senão a verdadeira riqueza que o mundo ignora e que se chama a Altíssima Pobreza do meu Senhor Jesus Cristo. E assim, com consciência clara e visão segura das dificuldades, privações e responsabilidade da vida futura, quero ligar-me a ela por um Voto de Pobreza, sub gravi, que hoje juro humildemente nas mãos do meu Prelado, renunciando desde já a tudo quanto possuo ou venha a possuir, obrigando-me a viver pobremente, do meu trabalho de cada dia e a entregar ao meu legítimo Superior tudo quanto me sobrar do meu modesto sustento e decente vestuário.» [O Gaiato, N.º 325, 18 Agosto 1956, p. 2.]. Nesta atitude radical, seguiu o seu mestre — o Pobrezinho de Assis — que, em 1206, perante o Bispo, renunciou a todos os seus bens.

Neste sentido, seguindo o seu legado — com licença dos Bispos, vão pelas igrejas — especialmente o mês de Agosto tem sido oportuno para entrarmos nalgumas igrejas das Dioceses de Coimbra e do Porto, aos cuidados pastorais de Padres amigos, anunciando a Boa Nova de Jesus Cristo, como mendicante. Não são peditórios… São oportunidades também para apresentar o exemplo eclesial do Venerável Padre Américo, divulgando a Causa de Beatificação e o jornal O Gaiato.

Neste Verão, muito quente, o Litoral português foi muito convidativo, desde o rio Mondego ao Ave, também pelas deslocações massivas de veraneantes para essas rotas. Assim, o nosso itinerário eucarístico começou no dia 13 de Agosto, Domingo, com licença do experiente Cónego Sertório, na belíssima igreja de Santa Cruz, em Coimbra. O antigo Mosteiro, em que a fachada e o púlpito são obras-primas, foi fundado em 1131, por D. Telo, Arcediago da Sé de Coimbra, para a Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, sob o patrocínio de D. Afonso Henriques [†1185] — que fez de Coimbra a capital do Reino — e de D. Sancho I, que nele foram tumulados. Foi seu primeiro Prior S. Teotónio [†1162] e nele estudou Fernando Martins [Santo António,†1231], que assistiu em 1220 à chegada dos restos mortais dos cinco frades franciscanos martirizados em Marrocos, que o motivou a procurar os Franciscanos, nos Olivais.

No terceiro Domingo de Agosto, como é tradição antiga, atravessando bons arrozais, foi a vez da igreja de S. Julião da Figueira da Foz, do século XVIII, ao cuidado do dinâmico Padre Orlando, que pastoreou a Lousã. Muitas pessoas de vários cantos de Portugal escolhem a Figueira como destino de praia, com o seu vasto e belo areal. Durante vários anos, tivemos o excelente acolhimento do saudoso amigo Padre João Veríssimo [†2020].

Em 26 e 27 desse mês, viajámos para norte, com grandes e verdes milheirais à vista: igreja de Mosteiró — onde foi Pároco Moreira das Neves [1906 †1992]; igreja de S. Cosme e S. Damião de Gemunde; e ainda Moreira da Maia — igreja do Divino Salvador de Moreira, como que a catedral das Terras da Maia. No seuMosteiro, guarda-se uma antiga relíquia do Santo Lenha, foi unido ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, em 1565, e a igreja actual é de 1622. Nestas comunidades maiatas, o Padre Augusto é um Cura — músico, bom colega desde o Seminário do Porto.

Assim, fizemos uma peregrinação de pregações, de Coimbra a Vila do Conde — por entre campos, rios e mar — como que uma Rota de Santa Cruz. Celebrámos em igrejas cheias de cristãos, felizes e com preocupações, comunidades vivas e com muito amor à Igreja. Bem-hajam! Nos seus altares — de Cristo Jesus vivo e presente por excelência! — rezamos todos pela paz, pelos enfermos e seus cuidadores, pelos que vivem na solidão desanimados, pelas vocações, etc.

Ainda, em 2 de Setembro, fomos à igreja de Alfarelos — Soure, do Padre Jorge, cujo orago é S. Sebastião — contra a fome, a peste e a guerra. Em Outubro, subiremos às serras — Unidade Pastoral da Lousã — da qual se avistam largos horizontes e com escassez de pastores. «Vendo aquelas multidões, Jesus subiu ao monte.» [Mt 5, 1].

A Igreja Católica está convocada pelo Papa Francisco para um Sínodo, em que não «não há lugar para ideologia». O Evangelho de Jesus é a carta magna da Igreja e sempre actual para quem segue Cristo vivo e verdadeiro. Os jovens do nosso tempo vão retirar-se pesarosos? Depois da euforia e alegria da Jornada Mundial da Juventude, em Portugal, na multiplicidade de vocações cristãs, as respostas são pessoais e urgentes, não escolhendo idade e condição. A Quem iremos?...

Padre Manuel Mendes