PÃO DE VIDA

«O dar-lhes de comer é pretexto para educar: educação cívica, educação moral, educação religiosa.»

Padre Américo — Pão dos Pobres, II,

Coimbra, 1942, p. 138.

São João Bosco, um santo dos jovens, escreveu uma carta aos seus filhos pobres [Roma, 1884], na qual, num sonho, viu que: «os semblantes dos rapazes traduziam tédio, cansaço, mau-humor, desconfiança. O meu coração entristeceu-se profundamente.» [Uma carta pedagógica de S. João Bosco. Porto: Ed. Salesianas, p. 35-36.]. No nosso tempo digital, como vivem os mais novos e qual o rumo da Educação com a invasão das novas tecnologias? Como educar as crianças na era digital? Educar é uma missão fundamental e espinhosa na vida humana e nas sociedades em geral, que não pode ser secundarizada. Actualmente, esta tarefa intrínseca à natureza humana encontra-se numa encruzilhada complexa, considerando alguns grandes desafios, fracturantes, nomeadamente: ideológicos — sobre a identidade do ser humano; e tecnológicos — o uso/abuso das novas tecnologias.

Neste âmbito de discussão de primeira ordem, cujo tema preocupa muitos pais e educadores, é de tecer algumas breves considerações sobre a perspectiva de uma especialista de mérito — Catherine L´Ecuyer, com ideias certeiras que merecem atenção. Nasceu no Canadá e vive em Barcelona, sendo mãe de 4 filhos. Doutora em Educação, é investigadora e autora de livros e artigos sobre Educação, entre os quais: Educar na curiosidade e Educar na realidade. Reconhecida como uma voz importante em Educação infantil, deu uma palestra recente também em Portugal, na 31.ª Conferência anual da Associação Europeia de Investigação em Educação na Primeira Infância.

A perspectiva de L'Ecuyer sublinha uma manifestação do ser humano muito presente nas crianças e que tem sido negligenciada: o assombro, a admiraçãodesejo de conhecer [S. Tomás de Aquino] — diante da realidade, que é um desejo interior de aprender, no contacto com a realidade que nos rodeia. Sendo a infância um tempo da brincadeira, descoberta e imaginação, é de respeitar a inocência e o ritmo de desenvolvimento de cada criança. Uma das suas questões tem a ver com destruição do sentido do espanto nos mais novos, devido à antecipação de estímulos como os ecrãs digitais. No panorama da realidade tecnológica actual, o uso das novas tecnologias pelas crianças, pelos adolescentes e adultos tem crescido de forma assustadora. Este fenómeno de massas vai conduzindo: à dependência dos ecrãs, ao risco de cyberbulling, à diminuição da actividade física, a doenças associadas ao sedentarismo, a dificuldades de sociabilizaçãoe à partilha perigosa de dados pessoais. Quanto aos problemas de saúde, em especial nos pequenos e adolescentes, podem elencar-se: ansiedade, desmotivação, apatia, comportamentos compulsivos e aditivos.

Segundo esta Educadora católica, Educar na realidade corresponde a conciliar estes aspectos: 1 — Educar para o mundo actual, em que vivemos, no qual as novas tecnologias têm um ritmo alucinante; 2 — Educar as crianças no sentido da curiosidade, principalmente em contacto com a natureza; 3 — Educar com realismo.

Adverte para os chamados neuromitos, v.g.: a criança tem uma inteligência ilimitada, só usa 10% do seu cérebro, etc. Valoriza a contribuição das novas tecnologias na vida humana, mas questiona que os nativos digitais têm melhor desempenho do que aqueles que os não utilizam, pois a abundância de informação consumida provoca um empobrecimento da atenção focalizada e continuada. A memória biográfica e o sentido da identidade pessoal constrói-se nas relações interpessoais, nas experienciais reais. «Portanto, só é humana uma educação que proporcione suficientes oportunidades de experiências interpessoais» [Educar na realidade, Lisboa: Planeta, 2.ª ed., p. 83.] O deficit de realidade está relacionado com o deficit de pensamento e o deficit de humanidade. Catherinepropõe atrair o olhar dos mais novos para o esplendor da realidade, pois a melhor preparação para o mundo digital é o mundo real.

Ao sugerir prudência no uso das novas tecnologias, tem em conta alguns erros: a sua introdução em idades precoces e os seus efeitos colaterais. Dos estudos nesta matéria, na última década, foi possível estabelecer uma correlação entre o consumo de internet e das redes sociais na atenção e saúde mental. Um especialista do efeito ecrã, Dimitri Christakis, escreveu:« O consumo de ecrãs deve ser reconhecido como um importante tema de saúde pública» [Archives of Pediatric and Adolescent Medicine, vol. 160, 2006, p. 446.].

Eis algumas recomendações — da Sociedade de Pediatria do Canadá e da Academia Americana de Pediatria: até aos 2 anos, não expor as crianças aos ecrãs; dos 2 aos 5 anos, menos de uma hora por dia e conteúdos de qualidade. Nos adolescentes e jovens, é de prevenir a dependência online, com limites. O uso sem regras do smartphone equivale a deixar os filhos num bairro perigoso à noite. A melhor forma de os prepararmos para o online é pelo offline.

Na Europa, são de referir alguns exemplos: na Suécia, as escolas estão a recuar na digitalização e a recorrer mais aos livros; em França, a proibição de smartphones nos estabelecimentos de ensino foi adoptada em 2018; em 2024, nos Países Baixos, os dispositivos electrónicos vão ser proibidos nas salas de aulas; em Portugal, há escolas onde se verificam restrições — v.g., EB 2/3 Lourosa — Santa Maria da Feira, desde 2017; Escolas de Almeirim; e várias escolas privadas. O dilema é proibir ou moderar? Martin Cooper, de 94 anos, engenheiro americano, pai do telemóvel, afirmou que o problema dos telemóveis é que as pessoas passam demasiado tempo coladas a eles, mas acredita que as pessoas aprenderão a utilizar os smartphones de forma mais eficiente. Um Relatório da UNESCO [Julho de 2023] alertou para a utilização irreflectida de dispositivos móveis e computadores nas Escolas.

«Devemos educar os nossos filhos na curiosidade e na sensibilidade que lhes permite reconhecer a beleza e a ausência de beleza no mundo real para que, eventualmente, possam fazê-lo no mundo virtual.» [Educar na realidade, p. 163.]. Deste modo, as novas tecnologias devem ser formas de melhorar a vida humana e não de a ensombrar, pois a luz é imprescindível a todo o ser humano!

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No dia 21 de Setembro, na igreja paroquial do Bonfim — Porto, de luto carregado, presidimos à Missa exequial do passamento de um Rapaz com 15 anos, Fábio, aluno da Escola Secundária Alexandre Herculano — centenário Liceu para onde fomos estudar vai para meio século, cujo edifício foi restaurado recentemente. Constituiu uma significativa manifestação de tristeza para a sua família, comunidade escolar e amigos, que continuou em frente à sua Escola e depois. No Evangelho do filho da viúva de Naim, Jesus encheu-Se de compaixão por ela e disse: «Não chores. […] Jovem, eu te ordeno, levanta-te.» [Lc 7, 13.14]. Esta aula viva, pela morte precoce de um amigo, não vai sair do coração dos presentes, pela dureza e incompreensão desta partida inesperada. Encontrar sentido neste e em inúmeros acontecimentos dolorosos da vida humana é muitíssimo difícil. No seu leito de sofrimento, o cardeal Veuillot disse: «Nós não sabemos o que [o sofrimento] é e, por isso, choro». Que viva em paz com Deus!

Padre Manuel Mendes