PÃO DE VIDA

Da agressividade juvenil

«Tem tal poder de simpatia a dor dos nossos irmãos, que te faz cair no chão, 

só por que ouves falar nela; que faria, se a visses no semblante deles!»

Padre Américo — Pão dos Pobres, III, 1943, p. 35.


O sofrimento é uma realidade pessoal que faz parte da nossa condição humana. O sofrimento é interior, tem manifestações exteriores e pode ser físico, psicológico e moral. A experiência do sofrimento faz-nos mais humanos e humildes, isto é, capazes de aceitar as nossas limitações. «A humildade é a verdade» [Santa Teresa de Ávila]. Não se trata de desejar o sofrimento nem de ter gosto em sofrer. Sendo reconhecido que só os seres humanos têm a capacidade única de lembrar e processar informações sequenciais, dar sentido ao sofrimento é difícil, mas torna a pessoa humana mais madura e compassiva com o sofrimento dos outros.

No mundo dos mais novos, sofre-se de muitas e variadas maneiras, v.g.: quando sobrevivem na guerra, não têm uma família estável, estão doentes, se feriram, têm fome e sede e frio, os atiram ao chão na Escola, são humilhados por colegas, não podem brincar, etc. Uma criança, adolescente ou jovem que esteja agarrada demasiado tempo a um ecrã vai deixando de estar preparado para lidar com o sofrimento e pode isolar-se no seu mundo virtual.

Numa investigação alargada e com interesse sobre uma problemática actual da realidade juvenil, efectuada por uma equipa da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro [UTAD], e coordenada pelo Doutor Ricardo Barroso, foi analisada a violência entre alunos, dos 12 aos 18 anos, em Escolas portuguesas. Os resultados foram recolhidos em 61 Estabelecimentos do 2.º e 3.º Ciclo do Ensino Básico e Secundário, no âmbito do Programa de Prevenção da Violência Interpessoal [PREVINT], concebido pelo Agression Lab da UTAD e aplicado desde 2016 em mais de uma centena de Escolas de Portugal e abrangendo cerca de vinte mil estudantes. Este Programa recorre a um medidor visual — violentómetro, que é um material gráfico e didáctico em forma de régua, no qual se visualizam manifestações implícitas e explícitas de violência, algumas delas tornadas naturais no quotidiano e na sociedade.

Desta investigação universitária aprofundada, foi concluído que a violência psicológica e física interpessoal é transversal nos ensinos básico e secundário, em ambos os sexos, em Portugal Continental e nos Açores. Os resultados [fonte: UTAD] apontam para uma prevalência da violência interpessoal e atingem níveis preocupantes: dos 7139 alunos que participaram na investigação, 68% [4837] dos adolescentes portugueses já foram vítimas de algum comportamento agressivo em contexto escolar. Por outro lado, 64% dos alunos admitiu ter praticado algum acto violento para com um colega de escola.

De acordo com o Relatório final, os comportamentos de vitimação mais reportados são de natureza psicológica, atingindo 92% dos casos [v.g., piadas agressivas, ignorar, culpar, mentir ou enganar]. Seguem-se, com 82%, os comportamentos de natureza física [pontapés, beliscar, arranhar, ferir a brincar]. Outrodado preocupante é que, em 62% dos casos, há alunos que já foram vítimas de algum tipo de controlo. Também se verificaram, em 58%, comportamentos associados ao cyberbulling e de partilha de imagens pessoais sem consentimento. Ainda foram relatados comportamentos mais graves, em 38% dos alunos inquiridos, v.g.: ameaçar com objectos e armas, causar lesão corporal grave.

Segundo o coordenador desta investigação pertinente, são dados que se mantêm constantes ao longo dos anos e, embora em termos sociais, se valorize mais o facto de existir violência física, uma prevalência tão elevada de violência psicológica é algo que nos preocupa, uma vez que esta tende a estar na base do sofrimento psicológico elevado dos adolescentes. A existência de trabalhos de prevenção e de intervenção junto dos adolescentes é tão crucial como junto dos pais/tutores e dos profissionais que trabalham em contexto escolar. Na análise dos dados, ficou surpreendido com a naturalização de muitos comportamentos. Há muitos que estão enraizados no nosso quotidiano, que são claramente de agressão e violência psicológica, mas não são entendidos como violência. Para Ricardo Barroso, compreendendo como funcionam os processos de agressão (inicialmente de âmbito psicológico e podendo, ao longo do tempo, evoluir para a violência física), é possível capacitar os jovens para antecipar e/ou acabar com esses comportamentos de forma mais rápida e eficaz, evitando assim o seu aumento.

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Actualmente, os dispositivos tecnológicos dominam as atenções e as mãos. Noutros tempos — há cerca de oito décadas — de escassez alimentar, Pai Américo anotou esta peripécia, entre tantas, na Casa do Gaiato de Paço de Sousa:

«Ontem houve grande barulho nas mesas do fundo, no refeitório, à hora de comer: Assustei-me, e pedi ao chefe que fosse ver. Foi, mas o Rio Tinto já lá estava, a botar água na fervura. Amadeu Elvas servia-nos, fleumático, como um inglês.

Elvas, que é aquilo?

— É batatas!

Os grandes sarilhos do mundo são sempre determinados por batatas, ou seus equivalentes.» [Isto é a Casa do Gaiato, I, 1950, p. 83.]

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De sublinhar que, na ordem do dia, internacional, infelizmente, a violência tem atingido gravemente, entre outros focos de guerras e conflitos, a Ucrânia e ultimamente também Israel e a Palestina. O Papa Francisco apelou, pois, à paz na Terra Santa: «O terrorismo e a guerra não levam a nenhuma solução, apenas à morte, ao sofrimento de tantos inocentes».

Padre Manuel Mendes