PÃO DE VIDA

Da guerra e dos pobres ao Sínodo


«Oh! Não te afastes do Pobre, nem na vida nem na morte. A altura da tua categoria há-de ser marcada no descer e consolar feridos. Assim sim, que és grande.»

Padre Américo — Pão dos Pobres, Coimbra, III, 1943, p. 94.

Do Relatório de sínteseUma Igreja Sinodal em missão — na conclusão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, que decorreu em Roma, de 4 a 29 de Outubro, foi salientada a necessidade da Igreja envolver todos e estar próxima das feridas do mundo. Nestas breves notas a propósito deste grande acontecimento eclesial, entre outros assuntos de actualidade, iremos focar um dos temas que prendeu a nossa atenção: Os Pobres. Antes, é obrigatória uma alusão à grande tensão internacional, devido a vários conflitos activos pelo mundo.

Na Introdução do Relatório sinodal, perante tantos focos de guerra terríveis, nomeadamente no leste da Europa, no Médio Oriente e no continente africano, foi notado o cenário de violência internacional: «A nossa Assembleia decorreu enquanto no mundo enfurecem velhas e novas guerras, com o drama absurdo de vítimas inumeráveis». Para além da Ucrânia e outras guerras, neste âmbito, em 5 de Novembro, depois do Angelus, o Papa apelou a um cessar-fogo imediato no conflito entre Israel e a Palestina, evocando as vítimas da guerra, os reféns e a gravíssima crise na Faixa de Gaza: «Continuo a pensar na grave situação na Palestina e Israel, onde muitíssimas pessoas perderam a vida. Peço que parem, em nome de Deus, cessem o fogo!». Jesus foi o Pobre de Nazaré, que derramou o Seu sangue pela remissão dos pecados. No topo da actualidade, infelizmente, continua a Sua paixão na multidão de vítimas humanas inocentes e nos rostos que choram pelos padecimentos humanos e nos conflitos sangrentos. É certeira esta citação, quatro séculos depois: «É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta.» [Padre António Vieira — 'Sermão histórico e panegírico nos anos da Rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia', 1668, in Sermões, t. XIV, Porto: Lello & Irmão, 1959, p. 361.]. Desde a II Guerra Mundial que o mundo atravessa momentos dramáticos. Calem-se as armas, pois é demasiado urgente a paz!

No final dos trabalhos sinodais, na sua homilia na Eucaristia, na Basílica de S. Pedro, o Papa Francisco sublinhou o seguinte: «Talvez tenhamos de verdade muitas e belas ideias para reformar a Igreja, mas lembremo-nos: adorar a Deus e amar os irmãos com o seu amor, esta é a grande e perene reforma. Ser Igreja adoradora e Igreja do serviço, que lava os pés à humanidade ferida, acompanha o caminho dos mais frágeis e dos descartados, sai com ternura ao encontro dos mais pobres. […] É esta, irmãos e irmãs, a Igreja que somos chamados a sonhar: uma Igreja serva de todos, serva dos últimos. Uma Igreja que acolhe, serve, ama, perdoa, sem nunca exigir um atestado de 'boa conduta'. Uma Igreja com as portas abertas, que seja porto de misericórdia», como sublinhou S. João Crisóstomo [Discursos sobre o pobre Lázaro, II, 5].

Na verdade e muito bem, um amplo espaço é dedicado aos pobres, no capítulo — Os Pobres, protagonistas do caminho da Igreja. Para que conste, começamos pela abordagem Das Convergências, nas quais recortamos e citamos alguns apontamentos [traduzidos da versão original italiana]:

• «À Igreja os pobres pedem amor. Por amor entende-se respeito, acolhimento e reconhecimento, sem os quais dar alimentos, dinheiro ou prestar serviços sociais representa uma forma de assistência certamente importante, mas que não se encarrega plenamente da dignidade da pessoa. […]».

• «A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica: Jesus, pobre e humilde, travou amizade com os pobres, caminhou com os pobres, partilhou a mesa com os pobres e denunciou as causas da pobreza. Para a Igreja, a opção pelos pobres e descartados é uma categoria teológica ainda antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica. […]».

• O documento sinodal identifica como pobres, entre os múltiplos tipos, v.g.: os velhinhos abandonados; os que não têm o necessário para viver com dignidade; os migrantes e os refugiados; os indígenas e as minorias; as vítimas de violência, abusos, exploração, tráfico e racismo; pessoas com dependências; etc. «Os mais vulneráveis entre os vulneráveis, a favor dos quais é necessária uma constante acção de defesa, são as crianças no ventre materno e as suas mães. A Assembleia está consciente do clamor dos 'novos pobres', produto das guerras e do terrorismo que martirizam muitos países em diferentes continentes, e condena os sistemas políticos e económicos corruptos que são a sua causa.».

• «A par das múltiplas formas de pobreza material, o nosso mundo conhece as formas de pobreza espiritual, entendida como falta de sentido para a vida. […]».

• «Estar ao lado dos pobres significa comprometer-se com eles também no cuidado da nossa casa comum: o clamor da terra e o clamor dos pobres são o mesmo clamor. […]».

• «O compromisso da Igreja deve chegar às causas da pobreza e da exclusão. […]». Isto «pode exigir a denúncia pública das injustiças, sejam elas perpetradas por indivíduos, governos, empresas ou estruturas da sociedade. […]».

• «Os cristãos têm o dever de esforçar-se por participar activamente na construção do bem comum e na defesa da dignidade da vida, inspirando-se na Doutrina Social da Igreja e agindo de diversas formas […]».

• «Nos pobres, a comunidade cristã encontra o rosto e a carne de Cristo, que sendo rico fez-Se pobre por nossa causa, para que, pela Sua pobreza, nos tornássemos ricos (cf. 2 Cor 8, 9). […] Se fazer sínodo significa caminhar juntamente com Aquele que é o Caminho, uma igreja sinodal precisa de colocar os pobres no centro de todos os aspectos da sua própria vida: através dos seus sofrimentos têm um conhecimento directo de Cristo que sofre (cf. Evangelii gaudium, n. 198). […]».

É ocasião para juntar aqui que uma das chaves teológicas de leitura da vida do Venerável Padre Américo e da Obra da Rua é precisamente o tema dos Pobres e da Pobreza. Para exemplificar a sua atenção eclesial aos sinais dos tempos e os seus incontáveis cuidados em favor dos Pobres, dois pensamentos escolhidos: «O pobre é coisa tão santa, e tão divina a missão de o servir, que unicamente sabe o que diz quem for pobre ou servo deles; as experiências não se transmitem.» [Pão dos Pobres, I, Coimbra, 1941, p. 4.]. «Eu não me canso de recomendar aos meus Padres que, se ainda não têm, peçam a Deus o jeito, a queda, o dom de visitar os pobres. Que tenham dor; que sejam por eles. Que jamais os troquem por outras riquezas, que eles, os Pobres, são a verdadeira riqueza da nossa Obra.» [O Gaiato, N.º 160, 15 Abril 1950, p. 3.].

Padre Manuel Mendes