PÃO DE VIDA
«O Mestre nasceu com a face voltada à Cruz.»
Padre Américo — O Gaiato, N.º 92, 6 Set. 1947, p. 4.
No mistério do Natal de Jesus, há pobreza, alegria e paz. Na Sua humildade e simplicidade, o Filho de Deus, sendo rico, tornou-Se pobre, semelhante a nós, por nosso amor e sobretudo pelos mais pobres e que sofrem. Neste Natal 2023, a paz é mais do que urgente! Sendo este tempo extremamente marcado pela dor e pelo luto em muitas partes do mundo e famílias, o Papa Francisco alertou que «o sofrimento de Belém é uma ferida aberta para o Médio Oriente e para o mundo inteiro» [rede social X]. Em 17 de Dezembro, na Praça de S. Pedro, evocou «os irmãos e irmãs que sofrem pela guerra, na Ucrânia, na Palestina, em Israel e noutras zonas de conflito».
Será que a guerra, de ódio, é daqueles que não aceitam Deus ou estão contra Deus?... Morrer é um sofrimento. E matar é um acto mau, sendo contra o Mandamento não matarás — aborto, eutanásia, assassínio, massacre…O Evangelho de Jesus fala de guerras, calamidades e tribulações: «Quando começarem a suceder estas coisas levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima» [Lc 21, 28]. No dia da Apresentação de Jesus no templo, Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino é para muitos em Israel motivo de ruína ou salvação. Ele é sinal de divisão entre os homens, para revelar os pensamentos escondidos de muitos. Uma grande dor, como golpe de espada, trespassará a Sua alma.» [Lc 2, 34]. Cristo Jesus vem curar o pecado, a miséria e a injustiça. E vencer a morte.
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Sendo os pobres predilectos de Jesus, Padre Américo foi por este caminho, acolhendo três garotos da rua na Casa de Repouso do Gaiato Pobre, em Miranda do Corvo, em 7 de Janeiro de 1940 — há 84 anos! Como meditação nestes dias frios e pertinho deste Natal do Senhor, respigámos uma página de antologia da sua pena, sobre a liberdade religiosa, a propósito do mistério do Natal. Eis:
«Muito antes do dia próprio, começaram os trabalhos do presépio. Veio o musgo dos montes, os arbustos dos silvados, a palha dos telheiros. Os pequeninos obreiros da comissão instalaram a seu bel-prazer as figuras de barro. Levantaram pontes, fizeram caminhos, puseram moinhos de vento a andar, inspirados no símbolo da Obra e nas coisas da natureza. O rei preto, montado sobre um camelo, foi de todos o mais mirado. Olha o rei preto! O Filipe do Seixal declarou em continente que na terra dele há um preto. Os nossos pequeninos pastores, por sua vez, não se cansavam de espreitar um rebanho de ovelhinhas brancas, que pastavam nas cercanias. A luz, dentro das lâmpadas pequeninas de vidros de cor, era o cúmulo do espanto. O Menino Jesus, muito coradinho, estava ao pé da Mãe, no seu trono de Pobreza, que é o segundo sinal do cristão.
Enquanto a comunidade infantil andava assim ocupada com as coisas simbólicas, ia-se-lhes dizendo, por palavras ao seu alcance, das realidades da Pessoa adorável de Jesus. Uma vez informada, a Comunidade, do mistério do Natal do Menino, facilitou-se-lhe a comunhão real e substancial do Corpo do Senhor. Da Cruz para cá, não há símbolos. Quem se contenta com as figuras, não penetra nas verdades eternas. Eu peço perdão de me exprimir desta maneira. Sei que uma grande parte dos leitores de 'O Gaiato' gostaria que eu não fosse sacerdote. Os nossos pequenos vendedores do jornal trazem-me notícias desta afirmação.
— Vocês lá em casa rezam?
— Rezamos, sim senhor.
— Vai-te embora com o jornal.
Eu, porém, não me parece ser obrigado, nem me quero obrigar a depor armas. Não foi de maneira nenhuma o carácter sacerdotal que me criou no peito convicções; antes, por causa destas, abracei aquele. Mas também não desejo impor a quem quer que seja o meu credo. Nem mesmo aos meus filhos! Se amanhã viesse ter à nossa porta um pequenino judeu ou um pequenino protestante, entrava e seria tratado consoante o seu credo. E tu mandas embora o jornal, com desdém, só porque os meus filhos rezam! Assim entendes a liberdade? Eu cá não.» [O Gaiato, N.º23, 7 Janeiro 1945, p. 1.].
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O Natal é sem dúvida de Jesus, porém parece que há uma tendência para não sentir a Sua falta neste tempo, substituindo-O por coisas e pelo pai natal. O Presépio não é um sítio cómodo — é um curral; mas, junto do Menino estão Maria e José, aquecidos pelo bafo de animais. Foram os pastores pobres das cercanias que O reconheceram com alegria como o Salvador, esperado, encontrando-O nesse cubículo e deitado numa manjedoura. Jesus é o Pão Vivo que desce do Céu!
Neste tempo, gélido e com nuvens negras, as bombas e os mísseis, lançados nas guerras, vão abafando a notícia dos Anjos: o nascimento do Salvador, que vem trazer a paz! Os caminhos dos pastores vão sendo pisados por veículos de destruição e morte. Em tantos beléns de destruição, e não de pão, com meninos indefesos, é urgente que Jesus nasça todos os dias nos corações humanos e traga a paz ao mundo. Vem, Menino Jesus, a todos os lugares da terra, iluminar as trevas do pecado e proteger a multidão dos inocentes e todos os que choram. Senhor, na loucura das guerras, transforma as armas em relhas de arados, já neste Natal. Que nas noites escuras de tantas vidas humanas brilhe a Luz, com esperança e confiança na Vida, e num novo tempo de paz!
Padre Manuel Mendes