PÃO DE VIDA

A Mãe é sempre bela

Nestas horas extremamente duras depois da partida da Mãe Emília para junto de Deus, com 90 anos [27-II-1934 †11-V-2024], faltam-nos naturalmente as palavras para alinhavarmos um simples tecido de linho, no qual seriam escritas em lágrimas algumas mensagens de gratidão eterna, dizendo também dos seus dons que foram florindo na terra que pisou, marcada pela orfandade e muito feliz pela sua maternidade. Foram sempre bem visíveis os seus testemunhos de fidelidade cristã: amor a Deus e adoração a Jesus na Eucaristia, na Igreja, devoção grande a Nossa Senhora – e de Fátima, amor sem limites ao marido e pai Júlio, doação total aos filhos e alegria pela família, entregando-se também ao serviço da Obra da Rua, à catequese e aos pobres… E no Processo de Beatificação do Padre Américo constam dois testemunhos da graça de ter conseguir ser Mãe!

Apesar de tudo, sem jeito, com a voz e as palavras embargadas, nesta coluna de vida, não será atrevimento, mas muito justa uma pequenina memória para entregar a Deus eterno, Senhor dos vivos e dos mortos, ficando centrados desta feita no seu Matrimónio e nas últimas vontades, como exemplo de mulher e mãe cristã – santa de casa, começando com a beleza destes dizeres de Américo de Aguiar, como breve intróito: «A minha mãezinha, a mulher mais fresca e linda do mundo inteiro, esperava-nos na cozinha, ao pé da grande lareira […]» [revista Lume Novo, N.º 7, Junho 1928, ms., Seminário de Coimbra.].

Assim sendo, como se conservou um texto dedicado a Nossa Senhora, [dactilografado por Júlio Mendes, gaiato elvense, com 14 anos] em 25 de Junho de 1944, lido por Emília de Oliveira Santos [com 10 anos], na igreja paroquial do Salvador de Paço de Sousa, pela 'Comunhão solene', vale a pena dar notícia. Do lugar do Assento, pastoreando ovelhas, com gosto por flores, foi chamada a declamar um 'discurso' de festa, do qual sublinhamos: «Neste dia jubiloso e lindo, queremos testemunhar-vos a gratidão que nos vai na alma, deixando aos vossos pés uma pequena oferta. São as flores dos nossos jardins que aqui Vos vimos trazer. Aceitai-as de bom grado, porque com elas Vos consagro os nossos olhos, os nossos ouvidos, a nossa boca, a nossa alma e o nosso coração.».

Nove anos depois desse encontro lindo, em 1 de Agosto de 1953, D. Emília e Júlio contraíram matrimónio no Mosteiro de Paço de Sousa, como diz o povo, sendo assistido pelo Padre Américo. Também casou nesse dia António Carpinteiro. Neste jornal, teceu belas considerações de alegria paterna, como diz uma legenda da reportagem fotográfica: «Ei-los! Esperei dez anos por este dia; foi justamente em 1943, que começamos a edificar nesta terra de Egas Moniz. Esperei dez anos! Quantos trabalhos que só Deus conhece! Que de brancas que só Deus conta! É esta a moeda com que compramos a felicidade dos outros!» ['Isto é a Casa do Gaiato', in O Gaiato, N.º 274, 15 Agosto 1953, p. 4.]. Desta coluna célebre do nosso jornal, é ocasião para lembrarmos alguns parágrafos: «A nossa Obra é única em seu género, por isso escandaliza. Além do mais, apresenta-se e é, de facto, uma Obra familiar. Dispensa estranhos. Chama à responsabilidade e exige dos Escolhidos. Nunca se viu tal entre nós… Dito isto vamos ao casamento. Às horas estavam todos na igreja paroquial. Tudo ali era presença. Primeiramente a de Jesus, o de Caná! Depois as duas Uniões. Padrinhos. E também o tesoiro da Obra da Rua. A sua incomensurável riqueza. Aquilo que a recomenda e faz dela uma Obra viva. O quê? Duzentos irmãos do Júlio e António. Só isso? Não. Não senhor. Também pedreiros e carpinteiros e trolhas e pintores e jornaleiros com seu mestre d'obras à frente. Todos quantos actualmente trabalham nas obras da Obra da Rua, aos quais se deu o dia, pagando o dia! Nós temos necessidade da cooperação destes trabalhadores. Dos fracos. Dos doentes. De todos quantos olham e esperam de nós. Eles não podiam faltar na primeira grande festa da Comunidade – e vieram. Para terminar o humilde relato, vai agora a página da ternura: as prendas de casamento que de norte a sul quiseram mandar aos noivos. Não são de dizer as dedicatórias! Não são de descrever as coisas dedicadas! É um mundo de interesse, de beleza, de carinho. É um tomar parte! Que o Bom Deus acrescente a vida de todos! Aquele acrescentar não deve tomar-se por linguagem dos homens. Deus, muitas vezes, tirando, acrescenta! É este acréscimo que eu peço para todos.» Desta reportagem, com pormenores, ainda isto: «O povo não cabia na igreja, por numeroso, nem em si, de contente: – uma Visão de Caná da Galileia com a presença Real de Jesus!» [ibidem]. Na verdade: «Oh, que grande sacramento não é o Matrimónio – na Igreja!» [Pão dos Pobres, vol. III, Coimbra, 1943, p. 207.].

Actualmente e sempre, nomeadamente o valor da Família cristã deve ser cada vez mais enaltecido e acarinhado, como sublinhou Padre Américo: «Só a família tem o poder de regenerar. Ela é instituição divina, alvorada perene, altar da Humanidade.» [Pão dos Pobres, vol. IV, Paço de Sousa, p. 47.].

A Mãe Emília, por carências e nesse tempo difícil, não continuou para além da 4.ª classe. Porém, lia muito, sabia muitos provérbios e vercejava, conforme um exemplo a propósito das suas Bodas de Ouro Matrimoniais, com Eucaristia celebrada na Capelinha das Aparições, no Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, a que presidimos, em 1 de Agosto de 2003. Neste dia muito feliz de acção de graças, ofereceu à sua Família uns belos poemas, impressos num livrinho da sua autoria – Aos meus filhos, do qual transcrevemos estas quadras:

Ao fazer cinquenta anos

De vida Matrimonial,

Quero oferecer aos filhos

Um presente especial.

Sermos Pais é felicidade,

É um presente de Deus.

São tudo para nós

Estes queridos filhos meus.

O que tenho para vos dar,

Neste dia de alegria,

É dizer que vos amo muito

E por vós a vida daria.

Ó Maria Imaculada,

Foi a Vós que os entreguei.

Guardai-os, que eles são Vossos,

Agora e para sempre, Amém.

O Cardeal Mindszenty [1892†1975], concluiu assim o seu belo livro A Mãe: «a vida será bela enquanto um coração de mãe palpitar sobre a terra.» [Coimbra, 1955, p. 225.].

E Miguel Torga, no seu Diário IV, dedicou à mãe um lindo poema e que termina com este pedido:

«Mãe:

Abre os olhos ao menos, diz que sim!

Diz que me vês ainda, que me queres.

Que és a eterna mulher entre as mulheres.

Que nem a morte te afastou de mim!

Nesta grande dor, amargurados, também venho da sepultura da minha mãe e vou até lá ainda outra vez, porque o derradeiro refúgio do meu coração jaz na terra. A saudade será uma prova da sua ressurreição e o seu 13 de Maio deste ano foi no Céu! Na verdade, na certeza da fé e com esperança, acreditamos que, depois da sua cruz, foi ao colo de Maria viver eternamente com Deus!

Padre Manuel Mendes