PÃO DE VIDA
Pai Américo — no Céu há 68 anos
O Correio do Vouga é um respeitável jornal católico português, fundado em 1930, que muito honra a Diocese de Aveiro e a comunicação social cristã. Tem sido uma boa leitura, como outros jornais diocesanos, desde há muitos anos.
Um dos seus directores foi o Padre Dr. Manuel de Pinho Ferreira [2-VII-1939 †4-IX-2023], bom amigo e excelente professor de Direito Canónico, que se doutorou na Universidade Pontifícia de Salamanca, com a Tese A Igreja e o Estado Novo na obra de D. António Ferreira Gomes [20-VI-2003]. Em 5 de Setembro de 2023, também participámos gratamente na Missa exequial, na igreja paroquial de Beduído — Estarreja.
Esta pequenina memória vem a propósito de um artigo sobre a morte de Pai Américo, escrito pelo anterior director do Correio do Vouga, Padre Manuel Caetano Fidalgo, que esteve ao leme do prestigiado semanário aveirense de 1949 a 1973. Este bom sacerdote nasceu em 22-IX-1923, em Pardelhas — Murtosa, sendo filho de João Carlos Fidalgo e Belmira Pato. Frequentou o Colégio dos Carvalhos [1935-1936], o Seminário de Vilar — Porto [1936-1939], o Seminário de Santa Joana — Aveiro [1939-1942] e o Seminário dos Olivais [1942-1946]. Foi ordenado Presbítero em 1-III-1947, na igreja do Monte, por D. Evangelista de Lima Vidal, Bispo de Aveiro. Foi Pároco da Torreira de 1973 a 2000. Faleceu em 6-V-2004; e foi sepultado no cemitério do Monte, na Murtosa, sendo a Eucaristia presidida por D. António Marcelino, Bispo de Aveiro, e concelebrada por D. Manuel de Almeida Trindade e D. Júlio Tavares Rebimbas [inf. Cúria Diocesana de Aveiro, vd. Correio do Vouga, N.º 3646, 12-5-2004, p.7.].
De passagem, é de notar a acção eclesial de Pai Américo na Diocese de Aveiro, nomeadamente na dinamização da construção de casas para pobres. De facto, como exemplo, em 4 de Abril de 1954, o Bispo de Aveiro, D. Evangelista, benzeu em Eixo duas moradias do Património dos Pobres, entregues a famílias necessitadas, sendo as primeiras casas construídas nesta diocese [vd. Correio do Vouga, 17-4-1954]. O Padre Américo esteve nessa localidade em 28-5-1953 [vd. Correio do Vouga, 30-5-1953]. Seguiram-se outras freguesias aveirenses, v.g.: Ílhavo — onde paroquiou o Padre Júlio Tavares Rebimbas; que foi Bispo do Algarve, Auxiliar de Lisboa, Bispo de Viana do Castelo e do Porto [1982-1997], e que nos marcou para sempre!
O referido artigo de fundo tem o título Morreu o Padre Américo, sendo transcrito na íntegra:
«Morreu o Padre Américo! Um grande Homem, um grande Sacerdote, um grande Português, destes cujo nome ficará para sempre aureolado nas páginas da História e mais ainda na alma dos povos, desapareceu assim de repente do palco da existência.
São os planos de Deus, insondáveis, nos quais a nossa pequenez não pode entrar. Parece estranho a quem vê as coisas a uma luz que não é a verdadeira. Uma figura destas, assim diferente, gigante, assim maior e mais bela, erguida na montanha, um génio da caridade, um revolucionário do amor, quase Evangelho que se palpa, — uma figura destas deveria viver para sempre.
São loucos os nossos pensamentos quando se agitam no horizonte estreito das coisas pequenas.
Os heróis não morrem. Também não morrem os santos. S. Francisco de Assis vive eternamente no coração da Humanidade. Há campas sobre as quais não crescem nunca ervas que nascem do abandono e do esquecimento. Os que finam em glória não acabam no silêncio dos túmulos.
Na linguagem que usamos, nesta maneira insofrida de traduzir as coisas, temos de dizer, porém, que o Padre Américo morreu. Numa curva da estrada, a caminho de Paço de Sousa foi o trágico desastre. Ele andava sempre a correr, na pressa que o Evangelho tem. Não sofria sem revolta que, à hora própria, o lume não se acendesse em todas as casas. Não lhe pousava a cabeça em paz, na dureza da enxerga, se soubesse que, pelas sombras da noite, deambulava um gaiato, vagabundo sem culpa, triste sem remédio, abandonado e perdido. E lá ia, envolto na sua batina de padre, levando o conforto, o alívio, o amparo, a esperança, a vida nova.
À hora da sua morte, quando Portugal inteiro chora sobre o caixão pobre de quem foi sempre pobre, não vamos falar da sua obra, não vamos dizer o que fez o Apóstolo. Seria quebrar a voz eloquente das lágrimas de tantos, seria abafar o pranto angustioso das crianças e dos rapazes da rua, dos velhinhos sem lar nem pão, de todos quantos algum dia o viram ou com ele falaram por aí.
No testamento espiritual que deixou, o Padre Américo diz ter cumprido o seu dever perante Deus e espera que os homens o cumpram para com ele.
Assim, morreu em paz, de olhos voltados à Luz, mas legou a nós todos uma tremenda responsabilidade.
Abençoada seja, nesta terra que ele tanto amou, neste querido Portugal de heróis e de santos, a memória do Padre Américo!
M. C. [Manuel Caetano]». [Correio do Vouga, N.º 1.306, 21-7-1956, p. 1 e 8.].
A rematar esta notícia, seguem-se outras informações: um voto de sentimento da Câmara Municipal de Aveiro, em reunião de 16 de Julho; e o anúncio de uma Missa de sufrágio, em 27 de Julho, na igreja paroquial de Vera-Cruz, mandada celebrar pela Conferência Feminina.
Junto deste artigo, na primeira página, encontram-se algumas Palavras de fogo, como: 'Ó quem me dera morrer tão pobre que a minha mortalha haja de ser mendigada'. E ainda algumas notas, como: 'O Padre Américo esteve doente meses antes do fatal desastre de automóvel. A certa inquietação de um dos seus mais próximos colaboradores, ele respondeu: — Não tenham receio. Quando eu morrer, é que esta obra começa verdadeiramente!'.
Próximos de outro Jubileu, neste tempo de globalização — marcado pelo digital e carregado de sinais infernais (especialmente guerras terríveis, terrorismos, doenças, fomes, misérias, catástrofes, crise climática), em que se multiplicam as pessoas frágeis — há muitos desafios pessoais, familiares e sociais (em que a Igreja Católica vai sendo chamada a responder, para defender a vida humana), considerando a imensidão de pobres pelo mundo além, a gritar ou em silêncio. Por referência sempre ao Pobre de Nazaré, para os cristãos, a caridade e a justiça caminham bem a par, em prol da promoção da dignidade da pessoa humana.
Recordamos, assim, sentidamente, o 68.º aniversário do passamento do Venerável Padre Américo — um revolucionário do amor e um génio da caridade, com esperança no avanço da sua Causa de Beatificação. E que não tarde a paz e a justiça no mundo, assim ouçam os poderosos.
Padre Manuel Mendes