PÃO DE VIDA

Como conheci o Padre Américo

Desde a sua ordenação presbiteral, de acordo com o processo sacerdotal e crónicas no Correio de Coimbra, que o Padre Américo teve a oportunidade de celebrar a Santa Missa na belíssima igreja de Santa Cruz, em Coimbra, pregando o Evangelho de Jesus e pedindo ajuda para os pobres. A história eclesial de Santa Cruz engrandece muito a identidade cristã e nacional de Portugal. O Mosteiro de Santa Cruz pertenceu aos Cónegos Regulares de Santo Agostinho e à Congregação de Santa Cruz, da qual foi sede. Com uma história riquíssima, que nem sequer acenamos, em 28 de Junho de 1131, foi fundado por D. Telo, arcediago da Sé de Coimbra, para renovar a vida canónica; a cuja intenção aderiram, entre outros, D. Teotónio (que foi Prior) e D. João Peculiar (depois, Bispo do Porto e Arcebispo de Braga). Este importante Mosteiro teve uma escola teológica reconhecida, uma vasta biblioteca, um rico cartório e um activo scriptorium. Esteve muito ligado a D. Afonso Henriques, 1.º Rei de Portugal; e nele se encontra o seu túmulo e de seu filho D. Sancho I, sendo panteão nacional. O grande Santo António [†1231], de seu nome Fernando, vindo de Lisboa, esteve neste Mosteiro; e, em 1220, tendo assistido à chegada dos restos mortais dos Mártires de Marrocos, procurou a Ordem dos Frades Menores, nos Olivais, em Coimbra. Na igreja de Santa Cruz, encontra-se um púlpito extraordinário, no qual o Padre Augusto Nunes Pereira (condiscípulo de Padre Américo e artista) encontrou a data de 1521.

No dia 1 de Setembro, avivando esta grata memória, fomos celebrar a Eucaristia dominical nessa emblemática igreja conimbricense, com muita admiração. O serviço aos pobres, na Igreja, e a Causa de Beatificação do Venerável Padre Américo foram sublinhados, pelo que nos disseram no pórtico monumental: — Venham mais vezes. E, entre diversas e duras intenções, escutámos esta prece ao Senhor: — Rezem por este menino, com uma leucemia, no Hospital Pediátrico de Coimbra.

Depois deste breve intróito, damos conhecimento de um testemunho pessoal muito interessante que nos chegou às mãos, referido à igreja de Santa Cruz. Do conteúdo valioso de um sobrescrito, vamos dar notícias, começando por este cartão:

«29/3/92

Bom Amigo e sr. Padre Horácio

Incluso remeto as "relíquias" que possuo do meu saudoso Amigo senhor Padre Américo.

Junto vai uma descrição (muito mal escrita!) da forma como o conheci e se iniciou uma amizade que nunca mais esqueci, apesar de a vida nos ter afastado. Vi-o pela última vez, quando, em Paço de Sousa, o levavam, descalço (como a sua humildade pedira) para ser depositado no túmulo.

Espero e desejo que no Céu, onde está, reze pelo pecador que sou! Respeitosos cumprimentos,

Miguel Mário Pupo Correia.».

Para memória futura, de um texto [numa folha A4, com linhas (frente e verso)], aqui vai a transcrição da descrição de alguns encontros marcantes entre Padre Américo e Miguel Mário Pupo Correia, na igreja de Santa Cruz, em Coimbra:

«Como conheci o Padre Américo

Eu tinha vindo para Coimbra, para estudar Direito, aproveitando a generosidade dos meus Tios Cesário Augusto de Almeida Viana e Lavínia da Silva Anachoreta Viana.

Estes moravam na rua Guerra junqueiro, numa linda casa, por eles construída, que era conhecida por " Casa de Santo António", por ter na fachada um painel de azulejo com a imagem deste grande Santo Português.

A minha Tia Lavínia — que era também minha Madrinha — era frequentadora assídua da Igreja de Santa Cruz, onde eu a acompanhava quase todos os dias.

Estávamos no princípio da década de 30 — não recordo do ano — e nessa altura nos meios católicos falava-se muito do Padre Américo e da sua vocação tardia. De facto, ele tinha começado a sua vida como empregado de uma firma inglesa em Moçambique, mas tocado pelo Senhor, resolveu seguir a vida religiosa, tendo regressado a Portugal para esse efeito.

Uma manhã, fui a Santa Cruz e encontrei ali a celebrar o Padre Américo.

Levado pelo prestígio de que a sua pessoa já gozava em Coimbra, finda a Missa, resolvi ir à sacristia e abordei-o, tendo-se travado entre nós o seguinte diálogo:

Sr. Padre Américo, queria pedir-lhe o favor de me escrever umas palavras num "santinho".

Pois sim, deixe cá uma sua caneta!

— Eu respondi:

Eu não tenho caneta, sr. Padre Américo!

Então olhe, retorquiu o meu interlocutor — eu devo vir aqui celebrar no dia … (não me recordo já qual o dia que me indicou) e venha cá que eu trago-lhe o " santinho".

Assim fiz, mas com uma certa surpresa minha, depois de o cumprimentar, ele deu-me um sobrescrito, que eu lhe agradeci, saindo em seguida da sacristia.

Cá fora, abri o sobrescrito e vi que continha:

a) O "santinho" prometido;

b) Uma nota de 50$00;

c) Um bilhete (que infelizmente se perdeu) em que dizia:" Esse dinheiro é para comprar uma caneta!".

Apenas este comentário: isto foi mesmo à moda de Pai Américo!... Esta história não ficou por aqui, embora sem rasto do tal bilhete, pois felizmente, o lindo 'santinho' não se perdeu! De facto, um bom Amigo — que temos encontrado nas pregações de Agosto, na Figueira da Foz — deu-nos notícias da dita pagela e fez-nos chegar uma imagem desta (mais cópias de duas fotografias), o que muito agradecemos. Bem-haja! Trata-se do senhor Doutor Miguel José de Almeida Pupo Correia, filho do senhor Dr. Miguel Mário Pupo Correia e ilustre Professor de Direito na Universidade Lusíada, em Lisboa. Na sua missiva, referiu que o original desta ficou na posse do meu irmão Mário, falecido em 15 de Janeiro do corrente ano. E notou que o seu Pai era então "caloiro", apenas com 16 anos. Esta pagela, com a imagem de Jesus e um cálice, tem um autógrafo de largo alcance espiritual:

«Coimbra 10/11/29

Paz — q. Dante/ procurava, só/ os humildes a/ gozam. Seja/ humilde./ Padre
Américo
!».

Este bom conselho foi repetido amiúde por Padre Américo, como neste pensamento: «Só pela nossa humildade é que o mundo acredita e ama.» [O Gaiato, N.º 28, 17 Março 1945, p. 3.].

Padre Manuel Mendes