PÃO DE VIDA
O Padre Américo e as Criaditas dos Pobres
Especialmente desde a sua ordenação em 28 de Julho de 1929, no Seminário de Coimbra, por D. Manuel Luís Coelho da Silva, o Padre Américo foi-se revelando com um sopro forte de profeta, na evangelização dos pobres, ao socorrer os pobres e os enfermos nas suas aflições, sacudindo as consciências adormecidas e pugnando pela justiça social. Este carisma de amor aos pobres foi-se desenvolvendo na sua infância e juventude até responder finalmente ao chamamento de Deus [numa derradeira martelada, em 1923] e ingressar na Ordem dos Frades Menores, em Vilariño de la Ramallosa, Tuy. Continuou como seminarista em Coimbra e sacerdote católico — Padre Américo! [com um significativo ponto de admiração]. De sublinhar que S. Francisco de Assis e S. Vicente de Paulo foram Santos da sua especial devoção.
Nas terras do Mondego e nos seus percursos de amor ao próximo, foram-se manifestando afinidades espirituais entre o Padre Américo e as Criaditas dos Pobres [vd. Manuel de Almeida Trindade — Figuras Notáveis da Igreja de Coimbra, Coimbra, 1991, p. 151], pelo que vale a pena respigar uma boa mão cheia de páginas ainda com frescura e da sua autoria, para esta breve memória e que dizem bem da estima pelo serviço das Criaditas aos Pobres. Certamente que o Padre Américo — de batina preta e capa enrolada sobre o ombro — ia-se cruzando com as Criaditas nas ruelas de Coimbra, e foi conhecendo o seu serviço humilde e concreto com os Pobres. Desta proximidade aos Pobres, sintonia e admiração pelo labor das Criaditas dos Pobres, deu conta nos seus escritos, primeiro nas crónicas do jornal diocesano — Correio de Coimbra; depois reunidas sob o título Pão dos Pobres [4 vols.]. Da sua pena profética, estas palavras claras e justas confirmam isto mesmo:
«No justificado e louvável desejo de informar o público, jornais de Coimbra e correspondentes de fora têm falado no Padre Américo e no a que indevidamente chamam a sua obra, e informado que ele tem estado na Figueira com crianças. Ora a verdade inteira é que as colónias de mar a que se referem, são conduzidas pelas Criaditas dos Pobres, essas ignoradas cananeias de Coimbra, que se alimentam dos restos e vivem da fé.
Sem recursos nem receitas, elas conduzem durante o ano uma creche de setenta bebés, uma casa de costura e um patronato.
Dirigem a Cozinha do Paço do Conde, visitam famílias no tugúrio, onde remendam roupas, ajeitam camas, esfregam sobrados, levam de comer — e, com um tacto delicado e um saber que é dom de Deus, aconselham o pobre.
Seguem as duas, como o Mestre mandou os discípulos, e nos becos e vielas da Baixa, exercem entre si a mesma caridade que as leva ao Pobre.
Desconhecidas do mundo, somente nomeadas por aqueles a quem fazem bem, para que nada falte ao seu evangelho, têm muitas vezes de suportar críticas e reparos das gentes a quem faltam as asas como as delas e gostam de ver tudo de rastos.
Fazem o Bem bem feito, infinitamente mais e melhor do que o Padre Américo, e só este (não sei bem porque sina) está condenado a andar na boca de toda a gente, como o pão branco das feiras nas mãos de todo o feirante. Dá pena!» [Pão dos Pobres, vol. II, 1942, Coimbra, p. 68-69].
É de recordar que o Padre Américo empreendeu, de 1935 a 1941, as Colónias de Férias dos Garotos da Baixa de Coimbra, no campo — em S. Pedro de Alva, Vila Nova do Ceira e Miranda do Corvo [Obra da Rua, Coimbra, 1942, p. 15-36].
Em 1943, o Padre Américo partiu para o norte de Portugal e empreendeu a fundação da Casa do Gaiato do Porto, em Paço de Sousa, na antiga Quinta do Mosteiro — dos monges beneditinos. No quinzenário da Obra da Rua — O Gaiato, na primeira página, escreveu esta coluna de reconhecimento da vida dos primórdios desta Casa, depois de uma simpática visita das fundadoras das Criaditas dos Pobres — Maria Carolina e Maria Clementina. Eis:
«Visitantes ilustres
As Fundadoras das Criaditas dos Pobres. As Mestras com letra grande estiveram na aldeia. Oriundas de famílias ilustres, deixaram um dia a barca e as redes e seguiram Jesus. Tomaram de renda uma casa pobre, num bairro pobre, e começaram a servir o Pobre com o nome de Creaditas [sic]. Fugiram do seu meio, das suas relações; até os laços de sangue cortaram! Hoje são duas dúzias d'Elas em Coimbra, em Aveiro, em Oliveira do Hospital.
Chegaram naquele dia à hora de jantar e sentaram-se para comer. Comer à nossa mesa, da nossa comida, no meio dos nossos rapazes. O Norberto foi-lhes designar aposentos, serviu-lhes uma chícara [sic] de leite por merenda à ceia, tornou-lhes a servi-las, no mesmo sítio do jantar.
Elas viram. Elas ouviram. Elas tomaram conta de tudo com olhos e inteligência. Não houve nota; não houve parcela — nada de que as duas Creaditas se não tivessem inteirado. Foi uma sindicância amorosa… Pois muito bem. A franca apreciação das duas Mestras é o selo branco do saber. Elas sabem. Elas falaram. Estou contente. A Obra da Rua está canonizada.» [O Gaiato, N.º 128, 22 Janeiro 1949, p.1].
Ainda recolhemos e seleccionámos mais páginas que dizem bem da amizade de Pai Américo e da Obra da Rua pelas Criaditas dos Pobres, que atestam a sua pobreza e afinidade espiritual, de tal modo que vieram semear o bem bem-feito na cidade do Porto, no meio dos Pobres, enquanto foi possível.
[Continua]
Padre Manuel Mendes