PÃO DE VIDA
O Padre Américo e as Criaditas dos Pobres
Sendo a pobreza o espírito determinante do carisma das Criaditas dos Pobres, não admira que estas servas dos pobres estivessem também sujeitas a privações de vária ordem, nomeadamente alimentar. De facto, em certa ocasião, o Padre Américo teve conhecimento de dificuldades a nível de bens de primeira necessidade, que muito o afligiram, de tal modo que se pôs em campo e foi verificar in loco a situação, pelo que tratou logo de dinamizar uma campanha de auxílio. Para ajudar a minimizar as carências alimentares das Criaditas e dos pobres que visitavam ou lhes batiam à porta, escreveu «Uma Notícia» com o coração nas mãos. É de um mestre da Língua Portuguesa, que a usou com originalidade para servir bem os Pobres, lembrando aqui o virtuoso Padre Luís Lopes de Melo [1885 †1951] e as Fundadoras. Eis:
«Há dias, recebi duas cartas de Coimbra, de duas pessoas de bem, e ambas diziam, cada uma a seu modo, que as Criaditas dos Pobres estavam passando fome. Imediatamente me pus a caminho. Vi. Ouvi. Apalpei. É verdade!
Não é por elas que eu temo. Não é por elas que me interesso. As Criaditas estão no seu lugar. Os habitantes da cidade é que não.
Não estive presente, mas ouvi dizer o que foi naquela terra o enterro do Padre Melo. Nunca se viu uma tamanha parada de silêncio. Nunca tanta espontaneidade. Um só parecer. Um só adeus. Só uma saudade. União perfeita. Isto foi ontem e hoje naquela mesma cidade, o Padre Melo passa fome! Não há saudades. Não há o adeus. Não há união. Ora ele não mudou, nem se mudou; que o digam os Pobres. A população de Coimbra é que se tem esquecido.
Em um quarto pobre, que diz para o Mondego e aonde morreu o fundador das Criaditas, encontra-se o mocho de pinho, aonde o caixão foi. O seu barrete. Um crucifixo. Uma sua fotografia. Tudo quanto ele era, está ali: pobre – e de Cristo Jesus. Era e é. Por ele se movem as Criaditas. A sua memória anda. O Padre Melo é de Coimbra e Coimbra não quer ser dele! As Criaditas passam trabalhos desnecessários e imerecidos.
Vamos fazer alguma coisa por elas. Sejamos práticos e razoáveis e amigos. Alguém que se levante e diga. Todos os meses um tanto. Nós estamos aqui. A Obra da Rua pode ser posta na cabeça. A seguir, os que colhem o benefício dos serviços das Criaditas, que são os habitantes de Coimbra.
Como são 100 mil pessoas a ler esta notícia, ainda que só a Coimbra interesse; como são tantos, digo, vamos hoje dizer quem são e o que fazem as Criaditas. Houve duas senhoras naquele tempo que por inspiração do Alto cortaram a direito os laços da escravidão. Voltaram costas ao Efémero. Encararam o Eterno. Deram-se o nome para serem na verdade criadas dos Pobres. Mas por acharem grande a designação de criada, desceram mais um degrau e chamam-se Criaditas. Elas aí estão. Isto foi há mais de 20 anos. Uma é Sousa Gomes. Outra é Couceiro da Costa. Ambas são as fundadoras.
Hoje contam-se por muitas as que se têm vindo juntar. Estão em Oliveira do Hospital. Estão em Aveiro. Estão em Coimbra. O trabalho delas todas é humilde e apagado; quem não abrir bem os olhos, não dá fé. É um serviço ingrato, por vezes repugnante. É mal pago; elas vivem dos sobejos. De manhã à noite levam o tempo a servir na própria mansarda. Limpam. Esfregam. Ajeitam. Trazem para casa e remendam. Aconselham. Orientam. Compõem vidas. Promovem uniões. Fecham os olhos aos moribundos! O mundo dos Pobres chama à principal a nossa mãe. E se é verdade que o nome de cada uma é Criadita, nenhum se atreve e ao falar dela, diz sempre a nossa irmã! Eu não conheço nada no mundo de mais suave paladar! No Céu é assim.
Na obra delas não há o brilhante. Não é de torcidos nem embutidos. Não dá para inaugurações. Elas têm vergonha do mundo. São as Criaditas dos Pobres.
Eis aqui um oásis de carne e osso. Nem tudo é lama. Nem tudo é mentira. O sangue de Cristo cai na terra e produz e eleva e santifica.
Tendo assim feito a apresentação desta formosa comunidade religiosa, peço aqui aos 100 mil leitores que ponham as mãos e dêem graças ao Pai Celeste por nos ter assim visitado. E depois perseverança. Peço que todos e cada um persevere naquela posição e naquela intenção; e vamos ajudar, Obra da Rua à frente. Ajudemos a Nossa Mãe a ter sempre que dar àqueles que assim lhe chamam. Deram-lhe aquele nome, oh nome! E agora está obrigada.» [O Gaiato, N.º 254, 21 Novembro 1953, p. 1, 4].
Depois, conhecendo bem o serviço das Criaditas e as carências dos pobres, Pai Américo voltou à carga com outra notícia, apelando à perseverança. É mais um belo naco da sua prosa. Aqui vai:
«Uma notícia
Com este título e no derradeiro número, vinha um apelo às gentes de Coimbra, que olhassem para as Criaditas dos Pobres. Deu-se o que é natural; elas encheram as tulhas! Porém, não basta. É muito pouco. Quase nada. O que é preciso é alguma coisa de mais força do que o tempo: – Perseverança. E não qualquer, mas sim igual à delas, Criaditas. Doutra sorte, é semente caída no pedregulho…!
Elas aí estão! Vinte anos de Renúncia não as cansa. O que não têm visto e sentido estas mulheres heróicas, no trato com o mundo do tugúrio; elas que são de outro berço e de outro sangue! Costumes, palavras, conceitos. Casos e coisas monstruosas. Elas aí estão!
Cada dia é um começar. Desânimos são esperança. Elas dão o exemplo. Resistem à erosão. São o nosso caminho. Perseverança. A nossa tem de ser assim ou não é.
Vamos, pois, ao que importa. Aquilo que cada um puser no seu coração, dê. Cada um que escreva pouco, para não se enfadar. Os encarregados da cobrança não faltem. As entregas, leais e a tempo.» [O Gaiato, N.º 256, 19 Dezembro 1953, p. 2].
Esta frutuosa viagem de ligação entre as Criaditas dos Pobres e Pai Américo, enquanto peregrinou neste mundo, de Coimbra ao Porto, tem de continuar para a próxima vez, chegando assim finalmente à cidade invicta, na qual as Criaditas também serviram bem os Pobres.
[Continua]
Padre Manuel Mendes