PATRIMÓNIO DOS POBRES

Volto de novo, à exortação do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobres, em que ele chama a Igreja ao cuidado com estas pessoas, como argumento mais convincente de que Deus está vivo, mais próximo da Humanidade. Tenho de ler este documento várias vezes para me inteirar bem da mensagem e me regalar com o pensamento evangélico do
Papa.

Acossado todos os dias com o sofrimento e a penúria dos irmãos, acho que esta comunicação devia ser propagada amplamente e debatida por todos os órgãos eclesiais portugueses e das várias nações, onde Cristo é conhecido e adorado.

Hoje, dia de Cristo Rei, não podemos olhar somente para o Homem, vestido com longa túnica e cingido no peito com cinto de ouro, mostrado no apocalipse de São João, mas para Cristo encarnado na sua vida humana, modelo de vida de todos os homens, o qual anunciou a boa nova aos pobres e, fez deles uma das suas presenças contínuas através das gerações.

Um dos pecados causadores da pobreza no mundo, aponta o Sumo Pontífice, é a indiferença generalizada. Não só a injustiça social, a miséria moral, a avidez de poucos, mas a indiferença atinge quase todos.

Não vale somente dar bens a instituições e trabalhar nelas, é preciso sempre estender a mão ao pobre; (o Papa usa os mesmos termos que o Padre Américo) e encontrá-los, fixá-los nos olhos, até abraçá-los (como Ele faz) para lhes fazer sentir o calor amoroso que rompa o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e, reconhecermos o valor que a Pobreza encerra em si mesma.

Entre os muitos que nos estenderam a mão nesta quinzena, apareceu uma mulher com seis filhos a rogar uma ajuda, para a renda da casa (?) uma garagem onde se acoita com eles.

— Aquilo tem luz e água?

— Tem sim senhor!

— E quartos?

— Não, aquilo é só uma divisória.

— E o seu marido!

— A gente não nos dávamos bem, e assim ele foi para o Alentejo.

Aquela cara não me era desconhecida; mas eu não me lembrei logo o princípio dos nossos relacionamentos. As pessoas da Casa e os rapazes reconheceram-na!

— Então não se lembra? É aquela que veio tantas vezes para lhe darmos uma casa!

Já me recordo. Como dei um andar a um irmão do seu homem, ela achou que eu me devia condoer dela e dar-lhe também um.

Moeu-me durante longos e maçudos meses! Ela, o homem e os filhos. E de tal forma... que lhes alvitrei alugar uma casa na cidade, pagando eu a caução e o primeiro mês.

Fui com ela ver o andar, falei com a senhoria na mesma casa e pareceu-me tudo seguro. Passei o cheque à dona da casa - setecentos euros!...

Afinal, vim a saber depois, fui enganado.

Estava tudo assente entre a fingida senhoria e ela. Não alugou casa nenhuma. A hipotética dona recebeu o cheque, depositou-o, dividiu o dinheiro entre ambas e guerrearam por causa disso. Os vizinhos é que, escandalizados, me vieram contar.

Passado mais um ano, o homem começou outra vez a telefonar: - Que tivesse pena das crianças que morriam de frio, que a GNR não os deixava acampar, que para isso tinham de se esconder, que enquanto não tivessem casa as crianças não podiam ir à escola, e assim não recebiam o abono dos filhos, nem qualquer ajuda estatal.

Numa noite de chuva intensa, telefonaram a dizer que estavam nos Bombeiros e ela fez-se porta-voz daquela Corporação, para eu os ir buscar.

Foi tanta a insistência e tão negro o quadro que me apontavam que caí e fui ver onde estavam acampados. Era realmente uma propriedade verde e num altinho. Duas meninas, embrulhadas numa manta, fingindo dormir sobre a relva. Mas, olhando... não vi, à volta, nada pisado. Compreendi então que as crianças foram para ali, a fim de me perturbarem o coração. Voltei as costas muito zangado - aquilo era um novo embuste.

Agora, passados anos, ela volta de novo e eu já não me lembrava das cenas passadas.

Que fazer? Sim! Que fazer?

O Papa encoraja-me a ir lá. O Evangelho também. Quantas vezes devo perdoar ao meu irmão? E tu que me lês - que achas?

Irei ver se o marido foi para o Alentejo ou não. Se eles dormem todos a monte. Se as crianças vão à escola. Como vive tanta gente junta e de que se alimenta.

Vou olhar para os seus olhos e vê-los, de novo, de forma diferente, levando comigo a Misericórdia do Pai Celeste.

Sim, aparecerei quando eles menos pensarem, com uma companhia que sabe bem onde fica a garagem.

Penso ser isto que o Papa me pede a mim, e a todos os cristãos. Como o Padre Américo na universidade da pobreza real que lhe deu tantas e tão profícuas lições!

Amar!... Amar sempre!... Nunca desanimar! A Misericórdia de Deus é infinita!... Ele está sempre pronto a perdoar! Os homens é que não. O Reino dos Céus é dos loucos!

Padre Acílio