PATRIMÓNIO DOS POBRES

Sinto necessidade de dar notícias sobre a reconstituição da casa, toda estragada, que a Câmara atribuiu àquela família, a quem o Património dos Pobres está a socorrer.

O casal, mesmo doente, tem feito das tripas coração para recuperar a sua casinha, a qual já tem janelas e o chão quase pronto. Falta ainda reparar a instalação eléctrica, alisar arestas das paredes partidas e pintar. O Património dá-lhes a tinta e eles fazem o trabalho.

Esta acção é de importância extrema para que tomem a casa como sua, saída também do cansaço próprio e não somente do seu sonho. Estes, de certeza, que nunca iram destruir o que tanto lhes custou a pôr em ordem. Gastar energias na sua própria habitação, faz-lhes crescer o amor por ela.

Pusemos-lhes uma cozinha, que o Amor de Deus nos tinha dado, e ficou tão bem naquele lugar. A mobília será toda por nossa conta - embora eles nem acreditem enquanto não a virem dentro de casa.

Numa das visitas que faço para examinar como vão as obras, deparei-me com a família toda lá dentro: - Então todos cá dentro logo de manhã?!

— É que nós já dormimos aqui!

Fui ver onde passaram a noite. Encontrei a reedição do que faziam na casa do pai dele. Com dois cobertores de flanela, um por baixo e outro por cima, bem encostadinhos uns aos outros, para se aquecerem, passam a noite ali, no chão de ladrilho dum quarto só.

Tenho em casa uma cama de casal reservada para eles, com mesa de cabeceira, e umas caminhas para as meninas, bem como um sofá-cama para o rapaz que dormirá na sala grande.

Estás mesmo a adivinhar, leitor ou leitora amiga, que não existem lençóis, nem cobertores, nem colchas, nem nada para dormir.

Por vezes, admiramo-nos de certos comportamentos rudes, selvagens e até criminosos!

Que admira!... Crianças a crescerem num ambiente destes, ainda muito boas são elas.

Os pais a que me refiro, sentem bem esta realidade, mas as posses não lhes permitem mais.

Prometo que lhes hei-de tirar uma foto dentro de casa, para que as ideias dos meus leitores se tornem tão claras quanto as minhas.

As multidões..., têm sido multidões? Sim, não exagero. Muitas mães de família a pedir-me uma cama de casal, pois dormem no chão, fogões para fazer comida e frigoríficos.

Há meses, comprei, de uma assentada, dez fogões que desapareceram muito rapidamente.

É muito triste a gente chegar a uma casa de família e ver a mãe a fazer uma sopa no fogareiro a brasas ou num grelhador e sem o frigorífico para conservar os alimentos ou remédios mais normais.

De relance ouvi na radio que o Senhor Presidente da República se manifestou triste por causa da elevada pobreza do País.

Acho que é verdade e só lhe ficam bem tais sentimentos, mas devo dizer, também, ao mais alto Magistrado da Nação o que ele sabe bem, que há entre nós algumas grandes fortunas adquiridas à custa de burlas que ninguém prova, de influências que ficaram escondidas e de abusos de poder manifestados legais. Que há muita gente a viver bem e de costas voltadas para a pobreza, e que quando estes ricaços se apoderam dos bens, quem é explorado são os mais pobres.

Sem resultado, calou-se o meu grito a pedir camas de casal, pois só recebemos duas, quando precisávamos de vinte. Tenho-me visto assediado por muita gente, homens e mulheres, pais de famílias sem terem casa ou dinheiro para pagar a renda.

Vou-me deixando levar, às vezes, pelas aparências, pois nem sempre as informações são seguras. Poucos padres visitam os pobres. Sou capaz de ajudar quem não precisa muito e de esquecer o que está mesmo aflito.

As rendas de casa, hoje, são um pesadelo. É verdade que o Estado, neste concelho de Setúbal, investiu em milhares de habitações, mas precisa de avançar muito rapidamente, pelo menos com mais meio milhar delas.

As barracas já se vêem com alguma abundância, e qualquer hipotética arrecadação coberta já serve para uma família se pôr lá dentro, com uma renda barata, mas que não baixa dos duzentos euros.

Padre Acílio