PATRIMÓNIO DOS POBRES
No mundo actual há acontecimentos que designam bem a desigualdade de deveres e obrigações entre pai e mãe constituídos num casal de qualquer maneira, ou melhor, ajuntamento de um homem com uma mulher sem as devidas preparações, levados pelos instintos que atraem o homem para a mulher e vice-versa.
Já aqui falei dela e da moralidade do acontecimento.
A senhora concebeu três filhos em 3 anos, sem cuidados, escangalhando um pouco a sua beleza de mulher: tornou-se mais forte, as ancas alargaram, a barriga dilatou-se e os cuidados dos pequenos tomaram o lugar da sua preocupação com a beleza de mulher.
Começaram as zangas, os aborrecimentos e o pai que havia comprado a casa com base no seu salário, em seu nome, achou que a morada lhe pertencia, somente a ele, e exigiu que a mulher lhe pagasse renda a que eu anuí, para ela não ir para a rua. No mês seguinte a mesma história e eu só lhe dei metade do valor, uma vez que os filhos viviam com eles e mereciam que o pai lhes desse casa, mas a razão dele era outra!... Tinha outra mulher que queria ir viver com ele, sem constrangimentos, então pôs todos na rua.
A mãe e os filhos aceitaram isso com um à-vontade como se fosse normal.
A pobre vem a chorar para mim à espera de remédio.
Que havia eu de fazer? Sim, ele é o dono e o senhor da casa. A mulher não tem lá nada, nem os filhos. O mais velho com 5 anos e os outros em escadinha, mais novos.
Arranjou uma casa nos arredores da cidade e transferiu-se com as crianças para lá a pagar uma renda de 600€.
Mas como é possível viver? O senhorio com pena dela deu-lhe um prazo de 10 dias para que pagasse a renda. O tempo passou sem que ela desse por isso e voltou aflita: que ninguém lhe valia, nem a ela nem às crianças. Não tem nada em casa para comer, nem para lavar roupa, nem para nada.
Que havia de fazer a Misericórdia Divina senão acudir-lhe! Paguei dois meses (1200€) e com outra, nas mesmas circunstâncias e com a renda ainda mais cara, dei-lhe por duas vezes 800€. E fui com as duas fazer compras a um armazém aonde os produtos são para revenda e por isso mais baratos. Dei a cada uma, a margem de 200€, mas elas ultrapassaram um pouco o registo, apesar disso paguei-lhes tudo na mesma.
Naturalmente que exultaram e eu também com um aviso: - olhem que isto é a primeira e a última vez. Aviso que não sei se serei capaz de levar a sério porque a fome é negra como diz o povo e a sua força, tem capacidade de me vergar se eu puder.
Neste acontecimento a prepotência do homem que nem o amor aos filhos é capaz de reprimir é evidente. Ele é o dono da casa, a mulher e os filhos não valem nada, nem que amanhã o tribunal lhes venha tirar a probidade quem trata das crianças e da mãe sem trabalho? Quem? Quem é obrigado a assumir os deveres paternais e maternais? A mulher é sempre a sacrificada.
São muito raros os casos em que a mãe abandona os filhos e o marido, para se juntar com outro homem! Muito raros...enquanto as mulheres abandonadas são às centenas nesta cidade.
A crise acontece, mas quem a sofre mais são os que tem menos. O Estado igualou os cidadãos com uma medida para ultrapassar a subida de custo de vida, deu a todos por igual até aos 2700€ de reforma. Mas será que os responsáveis familiares que recebem esta quantia, têm as mesmas capacidades económicas para enfrentar o custo de vida, igual aos que recebem menos de 200€? Quem recebe uma reforma de 2700€ mensais não terá também outros rendimentos? A crise será igual para todos?
Se queremos fazer socialismo não deveríamos compensar mais os que recebem menos? O pobre tem a mesma dificuldade que o rico, em vencer o aumento do custo de vida?...
Ontem fui encontrar uma família sem pai e 6 filhos. O mais velho fora atropelado por uma mota que lhe partiu a mão e uma perna em dois lados. Foi ao anoitecer. Ao visitá-los verifiquei que não tinham nada, nada, nadinha para comer!... Como é que esta gente vence a crise? - Passando fome? E isso é justo? Foi-lhes cortado o rendimento mínimo pelo facto deles, os filhos mais velhos, faltarem à escola e não terem o aproveitamento correspondente ao ano que frequentam. A mãe tem culpa? E os outros irmãos? Porque castigam um agregado familiar pela falta de um só dos seus elementos? Admite-se ainda hoje, que as crianças e a mãe passem fome !?... Uma fome tão grave que a seguir à noite não têm nada para a matar.
O próprio mutilado pouco adiantou com a operação feita à perna, porque a alimentação não ajudou. Terei de fazer o mesmo como fiz às duas mulheres, levar a mãe ao mercado grosso para que encha a sua casa de provisões?
Padre Acílio