PATRIMÓNIO DOS POBRES

Passa por terríveis dificuldades quem cai hoje numa situação de pobreza, uma vez que as ajudas oficiais são poucas e difíceis de conseguir e raras as pessoas que se sacrificam, se doem e compreendem os pobres.

O contacto com eles é essencial para despertar no coração de cada pessoa sentimentos de compaixão e de JUSTIÇA.

Quem passa ao lado sofre uma cegueira incurável que o leva ao indiferentismo: Isso não é comigo! É com o Estado ou mesmo com outros. A pobreza e os que vivem nela, são gente gastadeira, preguiçosa, desgovernada, etc, etc… Tudo serve para desculpar a nossa consciência agarrada aos bens pessoais e apática ao sofrimento que estado de pobreza produz, naqueles ou naquelas que escorregam para esta medonha situação.

Que hei-de fazer àquela mulher com uma obesidade, cuja barriga mede mais de um metro de volume, com dois filhos, ainda crianças, abandonada pelo progenitor destas, a viver numa cave e a pagar 600€ de renda mensais?

Quem passa por ela, pode dizer consigo: não coma tanto!… Quando este volume de ventre não é na realidade mais que uma doença diagnosticada por especialistas e comprovada por documento que traz na sua malinha de mão.

Como consolar esta doente, a ela e aos seus filhinhos, enquanto o tribunal não realiza o processo e do mesmo modo a segurança social? — Irão ficar à espera, hibernando como alguns répteis?

E àquela ainda jovem, de vinte e cinco anos, cujo namorado abandonou com três filhos pequeninos a viver em casa de uma amiga, sem ambiente nem espaço?

E àquele homem que me apareceu tendo deixado a sua bebé com família amiga e trazendo pela mão um menino de quatro anos e a mulher lhe fugiu. (na sua linguagem) com um gajo qualquer, doente, mas sem receber nada, a pedir-me que lhe pague a renda da casa, na Cachufarra, no valor de 400€?

Estes são alguns dos casos desta quinzena, da semana santa que o Património tentou remediar.

Quando ouvi dizer que o Governo viria fazer a sua reunião em Setúbal, exultei levado pela sabedoria popular: olho que não vê, coração que não entende, pensando que os ministros mais ligados à área social iriam visitar os bairros mais problemáticos onde as famílias se juntam na mesma habitação às duas, três e mais, numa promiscuidade e ambiente doentio que nem aos irracionais é permitido por lei.

Pensei rejubilando ao vê-los, na minha imaginação arrepiarem-se com o que observavam como eu me sinto quando, por lá passo. Só lhes faz bem. Será desta vez que o problema da habitação se resolverá nesta cidade tão massacrada.

Ao vê-los no bairro dos africanos a cheirar as rudes, exíguas e precárias habitações de cada numerosa família, uma vez que foram a Angola oferecer trabalho àquela gente!…

Tanto sonhei que até me pus também a acompanha-los e a transmitir-lhes as minhas aflições, por ver irmãos nossos, trabalhadores, ordeiros e humildes a viver em situações piores que muitos animais!

Quando me apercebi que tinham passado a noite num dos melhores hotéis da cidade e iriam almoçar a Albarquel num restaurante com vistas privilegiadas para a serra o rio e Troia, caí em mim, numa desilusão sombria e amargurante.

Esta gente passa ao lado!… Não quer ver!… O seu elevado nível social não lhes permite meterem-se nos bairros pobres e nas suas casas, para observar o que por lá se passa,

Eles não têm a mesma liberdade que eu. Estão presos por ninharias muito mais importantes do que exporem-se assim às feridas sociais de tanta gente. Não se comportam como ministros do povo que os elegeu, mas como senhores de tudo, com direito a gozar o que há de melhor na terra.

Eu peço perdão dos meus sonhos tão ingénuos…. e aos amigos do Património, as minhas dores!

Padre Acílio