PATRIMÓNIO DOS POBRES
No meu último escrito para O Gaiato, comparei a pobreza humana a um abismo e tenho para mim, a imagem de um lugar ao qual dávamos esse nome.
Era um sítio onde nos atirávamos ao mar, de um rochedo que na maré alta, as ondas beijavam e cobriam ternamente. Logo a seguir o oceano tinha uma profundidade de 40 metros. Atirávamo-nos a nadar ou de mergulho, mas muito longe de atingirmos o fundo.
É assim também a pobreza humana.
Há quantos anos eu grito por casas? Que é urgente construir casas para os portugueses? Há quanto anos?
Já por duas vezes citei a Constituição da República que é clara, perante os responsáveis dos vários governos, cujos membros, têm jurado cumprir e fazer cumprir a Constituição, construída após 25 de Abril de 1974, até chegarmos a esta trapalhada habitacional, em que é negada aos mais pobres uma casa para viver!...
Há por aí grandes parangonas de propaganda política a dizer que vão reabilitar centenas de casas e construir milhares de habitações, mas por enquanto, só vemos reclame!!
Passados vários meses esta necessidade urgente não vê satisfação.
Setúbal é uma grande cidade com imensas casas degradadas, sem habitantes, algumas a caírem de podres. Que vemos nós? — Tudo na mesma.
Se os responsáveis mergulhassem no abismo e fossem até ao fundo, haviam de ver e sentir o sofrimento dos pobres, mais a sua própria revolta. O Património vai ao fundo e vê, ou melhor, o fundo do abismo torna-se transparente e mostra-o a todos os leitores. A ruptura na habitação é evidente.
Uma família foi posta na rua porque o senhorio, vendeu a casa alugada e o comprador com poder real para habitar, pô-lo na rua!... Vieram viver para o Parque do Bonfim, um esplêndido jardim público, com casas de banho acessíveis.
Numa noite, foram assaltados e uns ladrões tentaram roubar-lhes os poucos trapos em que se agasalhavam. A esposa perdeu a cabeça e tentou suicidar-se, cortando os braços. Levada para o hospital de São Bernardo, onde foi tratada, as autoridades tomaram conhecimento da ocorrência. A seguir vem o Estado com a sua autoridade legal, mas cobarde, retira-lhe o filho de nove anos. A filha já mulher refugiou-se na casa de uma amiga. No dia seguinte, o casal tentou um quarto para dormir, mas como não tinham dinheiro, foram à Segurança Social e… nada!! Bateram à porta da Caritas e o resultado foi igual. A pessoa que os conduzia, nestas voltas, encontrou um antigo Gaiato e desabafou a sua aflição. Ele deu-lhes o número do meu telemóvel.
Relatada a tragédia, o Património abriu-se imediatamente para lhes dar a mão, dinheiro para comer e dormir e arranjar uma casinha como abrigo.
O Património não precisa de fazer reuniões, com ninguém, nem a autorização de quem quer que seja, basta que tenha com que socorrer, na hora. E fá-lo compelido, com amor à JUSTIÇA e levado, pelo Amor de Deus aos pobres.
O Estado também pensa fazer justiça. Põe na praça pública as suas Leis e impõe à força, uma que é contra a natureza das coisas e das pessoas pobres: retira os filhos aos pais sem cumprir o que era seu dever, que seria dar-lhes uma habitação.
As famílias portuguesas mais pobres, são vítimas deste caudal de miséria que as arrastam para o fundo do abismo, com rendas que ultrapassam, muitas vezes, o salário de um membro familiar e, muito mais as monoparentais, como acontece com quase duas centenas delas nesta cidade.
Aquela mulher, ainda jovem que me pedia dinheiro para dormir com o filho à entrada da noite, veio dizer-me que agora dormia numa tenda da praia, da saúde e que os filhos lhes haviam sido tirados e postos em colégios do Estado.
Fora convidada para Caseira de uma família de Tomar. Dava-me a notícia com muita alegria porque agora ia ter uma casa e sairia da tristeza em que se vê mergulhada: - Lá tenho casa. Posso recuperar os meus filhos e vou sair desta depressão.
Respondi-lhe: - O ambiente social de Tomar é muito menos corrupto, muito mais Cristão e mais acolhedor para si e para os seus filhos.
O Salmista que hoje me falou na oração diz assim:
Para a mansão dos mortos se retirem os ímpios. Todos os pagãos que se esquecem de Deus.
O pobre jamais será esquecido. A Esperança dos infelizes nunca será iludida.
Os pobres vão ser julgados na vossa presença Senhor. Reconheçam os gentios que não passam de homens.
Padre Acílio