PATRIMÓNIO DOS POBRES
Sim. Fui. Mas o que vi é inimaginável. No meio de um campo, perto da aldeia, encontrei o que nunca pensava. Aquilo não é pobreza. É miséria causada pela auto-marginalização, de que eles não se apercebem e com pouca culpa.
Muitas vezes, os que estão longe das pessoas e das suas dificuldades, vêm-nos com a teoria de que é preciso respeitar as culturas. De acordo, mas só quando essas culturas estiverem ao serviço do Homem, e nunca aquelas que o escravizam e o atiram para a marginalização.
Nunca vou ao Pobres de mãos vazias. Também não levo dinheiro, mas um avio dá sempre jeito. É agradável a quem precisa, faculta o encontro e nunca prejudica. O dinheiro é traidor. Tem de ser bem dirigido e com segurança. Porque, se não, em vez de aliviar a miséria, ainda a aumenta.
Levei comigo o Octávio, não só para me fazer companhia e eu ir mais seguro, mas também por saber que visitar os Pobres é sempre procurar a Luz Sobrenatural.
Havia naquele descampado três famílias com muitas crianças. Quando nos aproximámos e fomos vistos por elas, vieram a correr ao nosso encontro, arrastando atrás de si os adultos. Pareceu-me estar em África! Tal a curiosidade dos pequenos e a estranheza dos adultos.
Primeiro motivo que nos levava era ver a tal garagem, cuja renda ela pedia e foi o que fizemos.
Já ali não vivia, pois o senhorio tinha-a posto na rua, por falta de pagamento. Mas aquilo não era uma garagem. Era sim um comprido armazém, dividido na parte da frente por uma parede com porta, aparentando ter sido uma loja e uma enorme e comprida arrecadação. Devia três meses de renda, a 300€ cada. Paredes nuas, nada de mobília.
— Então, saiu para onde?
— Para junto da minha tia, ali perto.
Era o lugar onde havíamos chegado e fomos recebidos por aquela criançada toda.
Cá fora, uma mulher dos seus quarenta anos, aquecia-se numa fogueira adormecida, alimentada por uma trave velha de pinho, a queimar ao meio. Sentada, rentinho às ténues brasas e ao fumo que se erguia lentamente, gozava do calor que se desprendia no campo seco, ao ar livre.
A casa onde se acolhiam as três famílias era um quadrado de seis por seis, coberto de chapas de zinco rotas, tendo lá dentro três tarimbas e duas camas. Ao meio, com uma televisão pequena em cima, uma minúscula mesa e quatro cadeiras. O chão era de gravilha solta, sem cimento, e as paredes de tijolo estreito, rebocadas só por fora e tijolo à vista por dentro, abriam fendas, no cimo, entre elas e a cobertura zincada.
Um móvel de sala que lhes havíamos dado enfeitava o pobre ambiente com algumas loiças. As camas estavam feitas e a pseudo-sala não cheirava mal.
Era um Domingo, à tarde, sem sol e muitas nuvens. A cozinha não existia. Os alimentos são, de vez em quando, cozinhados cá fora e a casa de banho, ao ar livre.
Com aquele espectáculo à minha frente, o meu coração abrandou!... Meu Deus, como é possível?!... Num País em que tanto se fala da dignidade humana e... eu, só via ali promiscuidade e abandono.
Pareceu-me ter recuado vários séculos e olhar para o ridículo que é a luta contra a pobreza na Europa.
O homem da referida mulher não tinha ido para o Alentejo, como ela me havia dito. Ao olhá-lo, disparei:
— Afinal, você está cá!
— Não, então eu sou o homem daquela mulher - e apontava para a que se aquecia, sentada a uns quarenta metros.
Interrogada a sua mulher, afirmou-me, mentindo, que aquele não era o seu homem.
A gente fica perdido no meio de tanta mentira e tanta miséria. Senti-me impotente pegar naquelas pessoas para as promover.
Esta batalha não se trava só com dinheiro, como pensa a maioria dos políticos. O dinheiro é preciso, mas muito mais, o amor. Quantos fracassos esta gente conta, em tantas iniciativas realizadas só com o dinheiro!...
Faz-se um bairro. Inaugura-se. Há festa. Toda a gente se alegra e... depois... abandona-se tudo.
Passadas meia dúzia de anos, o bairro fica irreconhecível. Paredes sujas com graffitis, vidros e portas partidas, torneiras roubadas, casas de banho transformadas em estrumeiras, tacos arrancados, ladrilhos partidos, escadas sujas e danificadas, etc. Cria-se um ambiente envilecido, a degradar crianças e jovens, com uma consequente repulsa de quem construiu e a lógica marginalização social!
Porquê? Perguntar-me-ás. É porque as pessoas são más? De maneira nenhuma, mas porque lhes faltou o apoio constante e determinado, que só o amor vivo de Deus é capaz de gerar.
Os responsáveis sentam-se em gabinetes aquecidos no Inverno e refrescados no Verão, a ver relatórios, a dar sentenças e, nas casas, nada nem ninguém a amparar e de vigia.
A Igreja não está também isenta de culpas. Pois, para remediar uma desgraça destas, só uma sociedade cristianizada e não indiferente ou laica.
Padre Acílio