PATRIMÓNIO DOS POBRES 

Ando cansado, embora sem desânimo de gritar pela falta de casas para os portugueses viverem com o mínimo de dignidade, moral e saúde.

Há anos que não temos notícias de qualquer construção social do Estado, como se este problema estivesse resolvido.

A semana passada paguei sete rendas de casa e alguns pobres já me pediam para três meses atrasados. O Património não aguenta a pobreza à minha volta. Calculo as angústias das famílias noutras cidades.

Quase todas mulheres abandonadas com filhos a seu cargo.

É verdade que a Segurança Social lhes promete, daqui a dois ou a três meses... e também é facto que o tribunal toma conta dos casos, mas ninguém pega no dinheiro adequado e se põe à frente: - Tome lá pois não pode viver de promessas. A comida, os remédios e outras necessidades inadiáveis, como a renda de casa não tem esperas!...

O único aluguer mais barato foi de 350€ os outros iam todos de 450€ aos 650€.

Como é possível viver com este pesadelo da casa? O mês passa depressa e os senhorios não perdoam.

Entre os sete alugueres, seis eram de mulheres abandonadas, pelos progenitores dos filhos. Deixaram-nas com dois ou três e alguns ainda crianças, juntaram-se com outras e pronto!...

Tudo lhes é permitido!

Isto é uma irresponsabilidade. Aos olhos de Deus é um crime, um pecado grave, mas à vista dos políticos, alguns fazem o mesmo e pavoneiam-se à vista de toda a gente sem qualquer vergonha.

Uma com três filhos, fora abandonada pelo procriador das crianças, o qual trabalha na Autoeuropa com ordenado razoável. Esta ficou arrasada com três bocas a comer, duas na escola e a mais pequenina na creche. A sua renda é de 650€. Como se pode viver assim? Como?!... Falem os juristas, falem os políticos, os economistas, os banqueiros, os ricos e os remediados, falem também os pobres!

Nesta matéria os pobres são os únicos que entendem o meu grito e se deixam enternecer por estas desamparadas.

Os pobres de que falo são os mesmos que Jesus elegeu como Bem-aventurados, isto é, Felizes porque deles é o Reino dos Céus. Entre estes estão muitos dos meus leitores.

Não é a primeira vez que faço esta distinção: - Jesus não fala dos pobres de espírito, mas daqueles que tem Espírito de Pobre. Estes sim, são os únicos que entendem esta linguagem. Os que são possuídos por um Espírito de Pobreza!

Felizes porque é deles o Reino do Céus, Clérigos ou Leigos, homens ou mulheres, sábios ou ignorantes, ricos ou pobres de bens materiais, para todos, a promessa do Reino de Deus possuidores desse bem, único e raro o Espírito de Pobreza.

Este é sempre um esforço económico, diário no ser, no aparentar e no viver. É uma comunhão verdadeira com os que passam privações a qual arrasta estas pessoas a partilhar com os carentes de bens materiais, a dividir os seus haveres, os dons, o tempo e as capacidades.

Um Espírito Pobre é uma grande riqueza sobrenatural, daí que o Mestre lhes tenha prometido a intuição do seu Reino e a Eternidade como recompensa.

Foi esta pobreza, cegamente seguida por Pai Américo, que me atraiu à Obra da Rua e me tem dado Luz para eu experimentar diariamente a Providência Divina.

Veio também um homem novo, alto, dos seus trinta anos, com alguma robustez, a morar no Vale do Cobro, vestido pobremente e com um olhar triste: - Pago 550€ de renda de casa e já devo o mês passado. Não consigo pagar ó senhorio.

- Você um homem novo, o que faz? Então anda assim a pedir porquê?

- Ando às amêijoas padre. Só fiz a 4-classe e tenho 4 filhos.

- Veja se arranja um trabalho fixo nas obras, homem. Há por aí tanta carência de pessoas para trabalhar neste ramo! Fiquei sem palavras, sim, mudo a olhar o infinito.

Quando passo na Ponte Vasco da Gama nas alturas da maré baixa, vejo enterrados na lama quase até à cintura uma multidão de pessoas em busca de amêijoas e outros molúsculos que se desenvolvem na lama do rio.

Já naquele bairro paguei, durante muitos meses, a renda a uma abandonada com três filhos, pelo mesmo preço. E sinto bem a pressão de quem deve, de tal modo que, depois lhe comprei um andar na Rua Celestino Alves por não achar outro modo de me livrar daquele encargo.

Dei ao homem o cheque endossado ao senhorio e parti com uma amargura na alma que nunca mais me deixa.

Não sei bem porque me enternece muito a súplica dos homens!

Padre Acílio