PATRIMÓNIO DOS POBRES 

O grito de uma casa para cada família é mais velho do que a maléfica e terrível indiferença actual.

Pai Américo deu-lhe um eco próprio e um tom incomodativo a tanta gente, empresas e sociedades que o ajudaram a criar o património dos pobres e este a incutir nos responsáveis a constituir governos com a obrigação de favorecer uma casa para cada família portuguesa.

Ainda hoje, há muitas, centenas e centenas de famílias que se não existisse o património dos pobres ou melhor se não houvesse muitos corações que se deixam tocar nas suas consciências e viver o paradoxo da pobreza real, dando aos pobres o que lhes falta, não só o que lhes sobra. Para os sucessivos governantes e legisladores, a pobreza em Portugal é quase uma fatalidade invencível e o pouco trabalho e despesa são devorados mais pela propaganda do que pelo empenho.

Vem agora o responsável pela Caritas Diocesana de Braga pôr em cheque a falta de casas para as famílias daquela diocese, afirmando junto do público que, 10% das famílias naquela zona vivem em condições de sobre-locação, quero dizer, uma casa para duas ou mais famílias devido à falta de recursos.

Não sei se é possível viver-se numa situação destas sem que surjam problemas futuros de ordem social para todos nós. Sabemos que é anti-natural, isto é, contra a natureza humana que as habitações já de si reduzidas em compartimentos, possam acolher mais do que uma família.

É bem ilustrativa a comparação de Padre Américo da casa de família com a concha do crustáceo. Assim como aqueles moluscos, não podem viver sem concha, assim as pessoas não podem viver em família, sem uma casa para cada uma.

A vida obriga-nos a respeitar a vida animal, botânica, marítima e todas as outras, assim também para termos homens e mulheres equilibrados, é necessário em primeiro lugar atenção à família, mais do que à saúde.

É claro e sabido que as pessoas sem família, normalmente não resultam em homens ou mulheres capazes.

Se as cadeias estão à pinha, alguma razão há. Faltou-lhes o apoio, a formação da pessoa. Se há tanta gente sem família, sem abrigo e sem nível humano, a causa está na maioria das vezes na falta da concha: uma casa para viver dignamente.

No Verão, todos sentimos a tragédia dos fogos e fazem-se planos sempre mais bem elaborados, criam-se melhores meios para combater e diminuir os fogos; senão ardemos todos.

Com a pobreza extrema, não sentimos o mesmo susto, nem o mesmo aperto, houve dinheiro para auto-estradas, aeroportos, portos, cidades de futebol, pistas para corridas de automóveis, reconstrução de museus, etc... e não há dinheiro nem vontade para resolver o problema da habitação dos pobres?

Estamos à espera que a iniciativa privada se ponha em campo, mas como? Se os materiais e a mão de obra são cada vez mais caros e os impostos sobre a construção não diminuem, como será possível?

Pai Américo como um homem justo, gritou quanto pôde, pela Justiça - "que se faça justiça ao pobre!" Se as estruturas do Estado têm capacidade para tantas iniciativas muito menos urgentes, não só em cada diocese, mas também em cada concelho ou paróquia, se deve levantar este clamor.

Se como dizia o fundador da Obra da Rua, cada paróquia deve cuidar dos seus pobres, também cada paróquia deve gritar pelos seus pobres e berrar por justiça.

Esta virtude é a base do Evangelho e este clamor deve ser a aflição do bispo, do pároco e de todos os cristãos. Precisa de ser tão alto e tão aflitivo como um fogo para que toda a gente acorde e se crie o ambiente capaz de socorrer os mais desgraçados.

Eu penso que se as pessoas de bem, saboreassem um pouco da minha aflição e correspondessem com o que podem, dando o que poupam, afligindo as autarquias e estas os governos, e se cada caso fosse estudado em particular e resolvidas as causas da miséria, com determinação e autoridade fraterna, não teríamos chegado a casos tão extremos.

Nos meios pequenos, ainda é viva e alimentada a proximidade das pessoas e as pequenas aflições vão-se resolvendo; agora nos grandes centros populacionais aparecem tragédias humanas nunca imaginadas.

Venham a Caritas, as Comissões Justiça e Paz, venha toda a Igreja viva, como povo de Deus que grita a favor do pobre.

O Património é alimentado por um pequeno grupo de cristãos, alguns muito sacrificados e é o que tem valido aos casos mais extremos. Não é possível levar-se a vida com o ordenado mínimo. Com dois, esta é apertada, quanto mais só com um!

Os pobres precisam de comer, de pagar a casa e as despesas mínimas de todas as famílias, como a luz, o gás, a água, a farmácia, etc.

Guarda bom amigo, no teu coração, este grito. Ele não te deixará ir para vaidades do mundo, para apego ao dinheiro nem para passeios e peregrinações terrenas. Tu és pobre e a tua vida é dos pobres. Ama-os!

Padre Acílio