PATRIMÓNIO DOS POBRES
Vem aí o Papa Francisco.
Será recebido em ambiente majestático que não ofuscará a simplicidade evangélica nele sempre crescente, sem se deixar perverter pelo fausto com que será recebido em Lisboa.
Desde o princípio do seu Pontificado, verificamos que a crucifixão de Jesus O preparou para anunciar o Evangelho aos Pobres. Tenho a certeza que não o preocupa outros temas, mas tudo o que disser e anunciar não passará deste âmbito.
O Santo Padre vem tornar-nos vivas e atuais as suas encíclicas, particularmente para o nosso país, nossa organização social e nossa política ou politiquice.
Diz ele, número 22 da Fratelli Tutti (Todos Irmãos): "Muitas vezes constata-se que os direitos humanos não são iguais para todos. O respeito destes direitos é condição preliminar para o próprio progresso económico e social de um país. Quando a dignidade do Homem é respeitada e os seus direitos são garantidos, florescem também a criatividade e a audácia, podendo a pessoa humana explanar as suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum." O Papa cita-se a si próprio num encontro com autoridades e o corpo diplomático na Albânia.
E continua: "Mas, observando com atenção as nossas sociedades contemporâneas, deparamo-nos com numerosas contradições que induzem a perguntar se deveras a igual dignidade de todos os seres humanos, solenemente proclamada há setenta anos, é reconhecida, respeitada, protegida e promovida em todas as circunstâncias."
O Papa Francisco vem a Portugal e são os portugueses que irão avaliar se esta doutrina é posta em prática pelas autoridades que nos governam há décadas e depois de 25 de Abril ou se voltamos ao mesmo com outras roupagens, à maneira de outrora.
Agora, com as pensões e as reformas, os valores são distribuídos por percentagem: quem recebe pouco, aufere uma migalha, quem ganha muito, colhe mais uma boa quantia. Estará isto justo? É verdade que as reformas mais altas são para quem deduziu mais para a comunidade e as mais baixas para quem descontou menos.
Mas, perguntamos: Estes critérios são de uma sociedade que proclama a igualdade de direitos dos cidadãos?
Os pobres continuam a ser cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Não é esta a maneira de governar das autoridades que nos conduzem?
Então aos grandes dá-se o milhão e aos pequeninos uma migalha? Não deveria ser ao contrário: dar aos pequenos um aumento maior e aos grandes um acréscimo mais pequeno?
Esta é a doutrina social do Papa para que todos cheguemos a um nível razoável de vida. Não pagamos todos impostos? Mesmo os que não descontaram para a segurança social, não deram também lucro ao Estado?
Há dias, no balcão de uma Banca, sabendo da minha vida, vem-me com este desabafo: "Senhor Fulano, há aqui gajos que nunca fizeram um corno na vida e recebem uma boa reforma. Como é isto?" Não sabemos, mas a pergunta fica no ar.
O Papa continua: "As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e as realidades gritam outra." O Papa continua citando-se a si próprio: "Duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus tratos, violências, porque frequentemente têm menor possibilidades de defender os seus direitos."
Era uma mulher ainda nova que me aparece a suplicar o pagamento da renda da sua casa.
"— Onde fica a casa arrendada?
— Nas Pontes.
— E quanto é a renda?
— 500€, com água e luz."
Fiquei a ver a pessoa, que estava à vontade, de braços e pernas nuas, apenas encoberta por duas meninas ainda crianças de um e três anos.
Os braços e as pernas estavam repletos de tatuagens.
"— Então, você teve dinheiro para essas manchas todas e não tem como pagar a renda da sua casa?"
Ela fitou-me e os olhos arrasaram-se de lágrimas, dando uma visão de duas fontes a correr pela face abaixo.
"— Ó Padre, já tive uma vida boa. Agora o meu estado de abandono com estas duas meninas é que me fizeram recorrer a si."
Fiquei vencido, mas ainda lhe perguntei:
"— Quando teve uma vida melhor, não se lembrou dos maus momentos?
— Também os tive."
As crianças agarraram-se à mãe como náufragos no meio do mar.
Quanto tempo terá esta mulher de esperar até que o Tribunal reconheça o seu abandono e das crianças? Quantos meses? Quantas fraldas? A alimentação e os remédios? Todos direitos espezinhados como se vivêssemos num país de terceiro mundo!
Ai dela senão fosse o Património.
É urgente que os gritos do Papa não sejam palavras ocas para orelhas moucas.
Padre Acílio