
PATRIMÓNIO DOS POBRES
Passou no Domingo o Dia Mundial dos Pobres despercebidamente para muitos cristãos e até mesmo para alguns sacerdotes. Pelo menos na missa que eu concelebrei, o presidente, na sua homilia, que era o Evangelho dos Talentos e dava para se lançar a fundo no tema, nem por ele passou.
Este dia é assinalado pelo Papa Francisco como uma ocorrência que faz a Igreja descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho. O título que lhe dá o Santo Padre é também um pedido a qualquer Homem, mas sobretudo aos cristãos, citando a Sagrada Escritura: "NUNCA AFASTES DE ALGUM POBRE O TEU OLHAR."
Inspira-se no livro de Tobias, um sábio e Santo homem deportado para Nínive, cego mas sempre confiante no Senhor;Lembra-te sempre filho do Senhor Nosso Deus e pratica a Justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da Injustiça. Diz o Sumo Pontífice que o Sábio Tobite pede ao filho gestos concretos, que consistem em praticarboas obras e viver a Justiça: — Dá esmolas conforme as tuas posses; nunca afastes de algum pobre o teu olhar e nunca se afastará de ti o olhar de Deus.
Tobite sentiu-se provado por Deus como o são normalmente, aqueles que tratam dos pobres. O rei tirou-lhe todos os bens e ele ficou em extrema pobreza.
Num dia de Festa, prepararam-lhe um bom almoço, ele começa a sentar-se à mesa mas, ao ver nela tantas comidas finas disse ao filho: "Vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre de coração fiel e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho."
Vem aí o Natal. Vai haver muitas mesas fartas. Não é justo encher a nossa mesa quando há tanta gente a viver em profunda carência. Sobretudo aos cristãos o Papa Francisco diz:"A eucaristia celebrada tornar-se-ia critério de comunhão. Aliás, se ao redor do Altar do Senhor, temos consciência de sermos todos irmãos e irmãs, quanto mais visível se tornaria esta fraternidade compartilhando a refeição festiva, com quem carece do necessário."
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Eu acabava de sair da igreja onde celebrei a Santa Missa. Era ao anoitecer. Uma chuva miudinha e fria toldava ainda mais a nossa visão. Entrei dentro do pequeno veículo onde me transporto, fechei a janela da porta para saborear melhor o aconchego do carro.
Mal me ajeito, uma figura feminina bateu-me ao vidro da janela. Era uma mulher nos seus trinta anos. Sem qualquer agasalho, aproximou-se e, com ar esverdeado de sofrimento, diz-me baixinho: — Senhor Padre, estou na rua com os meus quatro filhos. Não paguei as rendas, o meu marido deixou-me e estamos todos sem casa.
Apesar de habituado, estremeço sempre que me aparece um facto destes. A mulher inspirava-me um sofrimento e um desespero indescritíveis.
Olhei-a e, incapaz de responder à sua dor, perguntei-lhe pelos filhos: — Estão em casa de uma vizinha, minha amiga, e onde é que eu vou dormir? — Pergunta ansiosamente.
Fiquei perplexo e, constipado como andava, achei-me impotente para responder a tão grave desafio. Sem saber que dinheiro tinha, respondi-lhe que não a podia ajudar e pus o carro em andamento com uma aparente indiferença ao sofrimento daquela irmã.
— Foi dormir aonde? E os filhos? Talvez na casa da vizinha, porque os pobres são muito doridos no sofrimento dos outros.
O pai desapareceu numa irresponsabilidade inqualificável e deixa os frutos de si próprio à deriva, num mundo tão frio como o actual. Não lhe doeu o coração. Nem por causa da mãe, nem pelos filhos!...
Sem forças nem capacidade, dei a impressão de ficar alheio ao desespero lancinante daquela desamparada. A rua era estreita e alumiada por uma luz frouxa. Entrava-me na alma, à medida que me afastava da infeliz, com uma dor profunda no coração: — que vai ser desta minha irmã e dos seus quatro rebentos! Sim, como irão sobreviver sem casa e sem amparo?
Quando um homem e uma mulher assumem o compromisso natural, que se não é Sagrado é pelo menos humano, a lei dos homens devia protegê-lo. Isto é um machismo intolerável que desgraça mulheres e crianças de forma assustadora e que os homens dizem não serem capazes de o suster, porque não lhes convém.
Padre Acílio