PATRIMÓNIO DOS POBRES

Hoje, Domingo de Pentecostes, em que o Espírito do Senhor desceu de forma visível sobre a Igreja nascente, eu queria trazer a esta rubrica atitudes positivas e outras pouco agradáveis.

Começo pelas primeiras, que me trouxeram a sensação de Presença do Espírito Santo muito forte e me elevaram até ao Pai de todos os homens, criador de toda a riqueza e bondade, inspirador de atitudes raras que já têm acontecido ao longo da minha vida.

Uma carta simples e curta, uma irmã nossa, enviou-me pelo correio normal um embrulho quadrado com pequenos sacos de amêndoas pascais, mais as jóias em ouro que possuía e me escreve com simplicidade: "Junto, envio uns objectos de ouro. Talvez rendam alguns tostões para o Património, onde serão mais úteis do que na minha mão. Que a Mãe do Céu e seu Divino Filho o ajudem para que possa continuar a ajudar quem precisa. Em contínua união de orações, me subscrevo: Fulana."

As amêndoas são para alegrar os pequeninos que, de certas mães, vêm a minha casa em busca de um alívio para os seus remédios, rendas de casa, cirurgias e outras necessidades urgentes. As jóias procurarei valorizá-las o melhor que puder.

Esta atitude evangélica é entendida por todas as línguas, em todo o mundo e em todos os tempos, aliás, como todo o Evangelho. Sem Ele, toda a religião é vã. O fundamental do cristianismo é o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como Jesus o amou e ensinou a amar.

O desprendimento das coisas do mundo obriga-nos, em certa altura da nossa subida em santidade, a tomar atitudes semelhantes, como me dizia há tempos um padre que reparte comigo as suas sobras: - eu quero morrer sem dívidas e sem dinheiro.

Esta santa senhora tem o mesmo ideal: "…talvez rendam mais do que na minha mão".

As pouco agradáveis são muitas: faltam-me possibilidades de ajudar nas rendas de casa, nas cirurgias inadiáveis que não se efectuam em todos os hospitais públicos de toda a grande Lisboa, incluindo, como é evidente, os do distrito de Setúbal.

As rendas de casa são o maior problema. Uma pobre mãe, abandonada pelo progenitor dos três filhos, a quem paguei a renda da casa durante alguns meses, tive de a suspender por dificuldades no dinheiro.

Com três crianças pequenas, aquela heroína não podia trabalhar nem pagar a creche aos mais pequenos nem a escola ao maior, pois o abono das crianças mal dava para o alimento, sem falarmos da água, do gás e da energia.

Esta gente tem um medo terrível que as crianças lhes sejam retiradas, o que é, como se reconhece, um absurdo ilegal. As razões económicas não justificam o afastamento das crianças da sua mãe, a não ser que esta trate mal os seus próprios filhos, como algumas vezes acontece.

A solução humana seria ajudar a mãe ao pagamento das rendas de casa e, se necessário, na alimentação. Não é, de maneira nenhuma, desligar a criança do seu ventre materno, do melhor que há para um inocente viver e crescer. Nada substitui o amor materno. Nada. Se a progenitora trata mal os filhos, os abandona ou se desmazela, então sim, compete ao Estado reparar estes transtornos, mas só nestas dificuldades.

Dói. Dói muito. Penaliza injustamente ver crianças afastadas da mãe só por falta de meios materiais.

Nem a penúria de casas, nem o preço das rendas podem ser motivo para desligar as pessoas que a natureza colou pelo sangue, pelo afecto e pelo amor.

O papel do Estado seria sempre, como manda a Constituição da República, facultar a cada família uma casa para viver. Não havendo casas, seria obrigatório pagar rendas.

Parece que o actual Governo está disponível para reparar a carência terrível em que nos encontramos, a qual se deve, sobretudo, à injustiça com que os pobres têm sido tratados.

O salmista põe em relevo estas verdades, do seguinte modo: "A manifestação das vossas palavras, Senhor, ilumina e dá inteligência aos simples". E o livro sagrado de Coelete reforça: "Quem ama o dinheiro, nunca com o dinheiro se sacia e quem ama a riqueza não tira proveito dela. Também isto é vaidade".

Padre Acílio

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