PATRIMÓNIO DOS POBRES
A pareceu no fim do dia, nestas tardes já com horário de Verão, um homem tostado pelo trabalho, poeira e pelo sol. Com aspecto humilde, transparecia seriedade, pobreza e verdade. Queria falar com o senhor padre: - Então diga lá o que lhe quer -, disse sem me identificar.
- É o senhor, não é?
- Sou, sim senhor.
- É que eu tenho quatro filhos e sou sozinho a ganhar para a família. A casa onde moramos é muito pequena e tenho as mais novas a dormir no meu quarto. O senhorio vai aumentar uma casa, ampliando-a com mais dois quartos, abrindo uma porta para outra casa anexa aquela em que vivemos, mas quer aumentar-me a renda. Vinha ver se era possível dar-me uma ajuda para a caução.
Isto foi no sábado a uma hora, impossível de me certificar das boas impressões e do pedido que me era feito.
- Olhe, o melhor, é eu ir lá ver amanhã.
Não ficava longe. O pedinte combinou comigo um sítio conhecido de ambos e, após a missa dominical, dirigi-me àquele lugar onde ele me esperava com uma motoreta.
- Eu vou à frente e o senhor segue-me -, disse despachado.
Sim, no carro da Casa fui atrás do meu amigo uns quinhentos metros. Mal se desmontou da motoreta veio informar-me com toda a simplicidade que a sua mulher já tinha um filho quando se juntaram.
Não sei se casou, nem fiz tal pergunta, pois faltava-me à vontade para lhe falar em tal assunto. Ficará para mais tarde.
- Pois muito bem -, disse-lhe. - Você recebeu-a como ela era e com a sua natural responsabilidade. O filho é fruto do seu ventre e a sua obrigação agora, é ser pai dele.
- E sou com muita alegria. - Respondeu jubilosamente.
Também esta confidência me despertou ainda mais vontade de ajudar, quem assim se aventura no amor, a sarar feridas, de outro modo, insanáveis. Uma mãe solteira é como uma pessoa sem uma perna. Dificilmente aguentará hoje, um filho na adolescência.
A casinha situa-se à borda da água. Não a beija o Sado nas suas ramificações e lagunas porque um caminho a separava e a terra a erguia cerca de um metro acima da maré cheia. Com duas águas teria sido uma construção clandestina onde se abrigaram três ou quatro famílias pobres, com renda barata.
Tem água de um furo e energia eléctrica.
Ao chegar, um dos mais pequenos, atravessou-se à frente do meu carro, em cima de uma bicicleta, obrigando-me a uma atenção redobrada.
Gostei do ambiente. As crianças, duas meninas ainda pequenas e dois rapazes, gozam de ar livre e espaço para brincar, fora do bulício automóvel e dos perigos que lhes são inerentes.
A água ali perto empresta ao local um ar agradabilíssimo nos dias de sol. A mulher foi preparar o almoço, mas ao ver-nos prontificou-se logo a mostrar a casa. Comigo e com os pais, andaram os filhos do meio, uma menina e o ciclista. A mais pequenina ainda dormia e o maior já anda no quinto ano e é colega de alguns Gaiatos.
Pela forma como estava a casa, via-se que não prepararam a visita. Era tudo tal e qual como é todos os dias. Não estava suja nem muito arrumada. Daí eu ter visto a necessidade de dois guarda-roupas e uma cama.
Fiquei de lhe dar a caução e o primeiro mês.
É gente que veio do interior à procura de trabalho que lá escasseia. Aventuram-se à vida, não se encostam nem matam os filhos antes de eles nascerem.
Ganhando pouco mais de 600€ e sendo a única fonte de rendimento para a família, para pagar a renda da casa, a luz e o gás, pouco sobra ao pai, para as despesas obrigatórias. Vale-lhes o peixe que lhe dão os pescadores e algumas ajudas dos vizinhos.
Na despedida o pai foi buscar a mais pequenina para ma mostrar. As crianças atraem-nos e a gente beija-as instintivamente mesmo que não estejam muito limpas.
Com a menina ao colo, o pai ia beijando a criança enquanto me confidenciava:
- Esta veio sem a gente contar, mas agora está cá e temos-lhe muito amor.
É uma alegria e um gosto indescritível, o Património, por amor de Deus, ajudar quem vive pobremente com tanta dignidade.
Padre Acílio