PATRIMÓNIO DOS POBRES

Numa manhã pascal, enquanto rezava o ofício divino, calhou-me ler um trecho sobre a celebração da Eucaristia, cujo autor era S. Justino, um mártir do século II. A forma elevada como ele descreve este rito sagrado, deixa-me perceber o fervor irradiante da comunidade e do seu presidente.

A Ressurreição de Jesus, a todos contagiada, e a Sua presença, no que "já não é pão ou vinho vulgar (...) mas é a própria carne e sangue de Jesus incarnado", que enche de alegria, coragem e determinação, cada um dos participantes "dos dons sobre os quais foi pronunciada a ação de graças."

Ao ler a passagem completa do santo mártir, encho-me de arrepios lembrando a forma como alguns padres celebram os mesmos mistérios, num tom de voz e emoção, como se estivessem a transmitir a frieza descolorida da calçada que pisamos a pessoas que não conhecem o que é uma pedra, e, com tamanha rapidez que não se percebe e ninguém entende o que dizem.

O texto do mártir de S. Justino continua assim: "Os que possuem bens em abundância dão livremente o que lhes parece bem, e o que se recolhe põe-se à disposição daquele que preside. Este socorre os órfãos e viúvas e os que, por motivo de doença ou qualquer outra razão, se encontram em necessidade, assim como os encarcerados e os hóspedes que chegam de viagem, numa palavra ele toma sobre si o encargo de todos os necessitados."

Era uma igreja viva com o fogo da ressurreição a aquecer-lhe a alma e a transmitir-lhe irrequietude e sagacidade de atrair homens para Cristo!

Dizem os actos dos apóstolos que os cristãos tinham a simpatia de todos. Não podia ser de outra maneira, pelo brilho de uma vida tão comprometida com o Mestre Ressuscitado.

Ontem, quando estava a preparar-me para dormir um pouco e refrescar a cabeça com algum descanso, telefona-me uma viúva doente, de idade avançada. Fazia-o pela quarta vez, naquele dia e na véspera, deixando-me o recado: - Que fosse visitá-la, ouvi-la de confissão, lhe levasse os Santos Óleos e a Santa Eucaristia.

Foram mais de três horas a escutar o seu sofrimento, as suas confusões e traumas provocados pela solidão.

Fez-me bem atender àquela pobre alma!... Os filhos e os netos vivem no estrangeiro e ligam pouco à mãe e avó. Pecados do mundo que a Igreja deve remir!

Como me lembrei da multidão de Vicentinos que Setúbal já teve. Aqueles Cristãos, aquecidos pelo fogo da Ressurreição e cegos às atracções do mundo, punham o seu tempo e a sua paciência ao serviço dos sofredores, consolando-lhes o coração.

Assim atraíam a simpatia de todos os homens, até dos mais descrentes e distraídos.

Os instalados na igreja não fiquem a pensar que a evolução dos tempos é causa desta indiferença religiosa que atinge, de forma tão violenta, a sociedade hodierna; mas, sim, que isto é consequência lógica da vulgaridade com que vivemos e celebramos a nossa fé.

São muitos os que me desafiam: - Você tem de pensar no seu continuador!... Mas como? Se o Evangelho está tão longe da vida Cristã e a pobreza, a sério, encanta tão poucos jovens? Pregar aonde? Só n'O GAIATO.

Padre Acílio